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PROGRAMAÇÃO:
MAIO de 2013
Sala de exibições
Pequeno auditório
Casa das Artes de V. N. de Famalicão
Parque de Sinçães - V. N. de Famalicão

00:30 HORA NEGRA de Kathryn Bigelow
Sinopse
A 11 de Setembro de 2001, o mundo assistia em directo a um dos mais arrepiantes
ataques terroristas de sempre. O acontecimento deu origem a uma época de instabilidade e medo
sem precedentes e, por esse motivo, foram somados esforços para capturar Osama Bin Laden, o
líder da Al Qaeda, organização responsável pelos ataques. Maya (Jessica Chastain), agente da
CIA, é uma das responsáveis pela operação, de mais de uma década, que levou militares
americanos a entrar no Paquistão onde, em Maio de 2011, Bin Laden foi capturado e morto. O
filme segue o seu trajecto.
Realizado por Kathryn Bigelow (Óscar de melhor realizadora por "Estado de Guerra"), um "thriller" de acção com argumento de Mark Boal que durante anos teve acesso privilegiado a informações relativas à luta antiterrorista dos EUA.
Apesar de muito elogiado pela crítica, o filme tem sido rodeado por polémica, especialmente após a carta aberta de Naomi Wolf a Kathryn Bigelow. Nela, a escritora definia o filme como "um anúncio publicitário de duas horas, muito bem filmado", destinado a manter fora da prisão os agentes dos serviços secretos que cometeram crimes em Guantánamo. Insinuava também que o financiamento da obra seria difícil sem a aprovação do sector militar e que, tal como Leni Riefenstahl legitimou e glorificou o regime nazi alemão, Bigelow subscreve as "mentiras do regime": a de que "esta brutalidade [a tortura] é de alguma forma necessária". A título de curiosidade, "Zero Dark Thirty" - o título original do filme -, refere um termo usado pelos militares americanos para referir uma hora não especificada da madrugada.
Ficha Técnica
Título original: Zero Dark Thirty (EUA, 2012, 157 min.)
Realização: Kathryn Bigelow
Interpretação: Chris Pratt, Jessica Chastain, Joel Edgerton
Argumento: Mark Boal
Produção: Kathryn Bigelow, Mark Boal, Megan Ellison
Musica: Alexandre Desplat
Fotografia: Greig Fraser
Montagem: William Goldenberg, Dylan Tichenor
Distribuição: Zon Lusomundo
Estreia: 17 de Janeiro de 2013
Classificação: M/16
Críticas
CSI: CIA
Jorge Mourinha, Público de 17 de Janeiro de 2013
Por trás de toda a política e toda a polémica, Kathryn Bigelow assina um filme admirável sobre a obsessão e a vingança
Podemos começar por aqui. 00.30 a Hora Negra é um filme-missão, um filme com uma missão (e não estamos sequer a falar de eventuais subtextos). É um míssil teleguiado, seco, frio, económico, concentrado num único fim à exclusão de todos os outros: contar a sua história. À imagem da sua heroína - Maya, a agente da CIA que não descansa enquanto não chega ao “fim da linha” - o novo filme de Kathryn Bigelow deixa pelo caminho tudo aquilo que não seja essencial ao seu objectivo e só tem uma coisa na cabeça: acompanhar todo o percurso que levou os serviços secretos americanos ao complexo de Abbottabad onde Osama bin Laden foi morto. Custe o que custar.
É por aí que se compreendem algumas das sugestões que o novo filme de Bigelow, depois de Estado de Guerra, é atípico: habituámo-nos a pensar a realizadora como a grande cineasta moderna do cinema de acção clássico, e 00.30 a Hora Negra não é um filme de acção tradicional. É preciso atravessar duas horas de tortura, investigações, viagens, reveses e burocracias para chegar à notável meia-hora final em que os comandos da Marinha assaltam a casa de Abbottabad. Mas o novo filme inscreve-se sem problemas na linhagem da obra da realizadora - o fascínio pelo profissionalismo discreto dos agentes, pela irmandade silenciosa daqueles que partilham a experiência-limite da guerra, mantém-se intacto na descrição quase meticulosa do processo que levou a Abbottabad. Um filme de guerra sem guerra, se quisermos, ou que transfere a guerra para os corredores de missões diplomáticas e prédios anónimos de escritórios.
00.30 a Hora Negra é, na sua essência, um procedural - o acompanhamento de uma investigação policial tal como nos habituámos a ver nas séries televisivas (de que a iteração mais recente seria CSI nas suas várias declinações) mas que tem também tradição no cinema (pense-se, por exemplo, em Madigan, de Don Siegel). Mas nem aí Bigelow deixa de se apropriar dos códigos e dos cânones: este CSI: CIA insere um olhar feminino através da sua escolha de uma personagem feminina que tem de enfrentar a resistência masculina dos seus superiores - descrita, a certa altura e com o seu quê de condescendência, como “esperta para caraças”, para alguém logo retorquir “mas isso somos todos”.
Maya pode ser o “olhar” do espectador para dentro desta realidade captada “a quente” (e o filme tem qualquer coisa de longo ensaio do new journalism americano, ou não fosse o seu guionista, Mark Boal, repórter aclamado), mas a personagem abre também o filme a outros subtextos, outras camadas. A agente da CIA a que Jessica Chastain dá uma interpretação toda em contenção não está assim tão longe do Ethan Edwards de John Wayne n' A Desaparecida de Ford - alguém que se entrega de alma e coração à tarefa em que se empenhou ao ponto de mais nada existir à sua volta, como se o único modo de chegar ao fim fosse ir ao limite, contra tudo e contra todos. E que tarefa é essa que a obceca para lá de tudo isso? A vingança. A mesma vingança que motiva Ethan Edwards ou o Django Libertado de Tarantino, salvaguardadas as devidas distâncias.
00.30 a Hora Negra não é fácil, não escamoteia, não faz rodriguinhos. Seco, duro, económico, é um filme admirável cuja adesão e obediência às regras do processo o liberta para falar do coração por trás do cérebro, da escuridão por trás das regras. Do heart of darkness que está no centro de muito do cinema americano pós-Vietname - e que consome tudo à sua volta até nada restar a não ser a pergunta: “E agora, para onde vamos?”
Na vertigem da guerra
João Lopes, Cinemax
Para filmar a caça a Osama bin Laden, Kathryn Bigelow combina a fluência do documentário com os labirintos da ficção: "Zero Dark Thirty" ("00:30 Hora Negra") é um objecto de complexa e sofisticada inteligência cinematográfica.
Provavelmente, alguns espectadores encararão "Zero Dark Thirty" (lançado com o título português "00:30 Hora Negra") como um filme definitivamente marcado pelas polémicas que o têm acompanhado nos EUA (em boa verdade, desde o momento da sua pré-produção). É pena que isso aconteça, desde logo porque tais polémicas parecem só adquirir o seu significado no interior das tensões da cena política made in USA, mas sobretudo porque seria inglório passar ao lado de tão grande, complexa e sofisticada inteligência cinematográfica.
A comparação com "Estado de Guerra" (2008) é, talvez, inevitável. Num caso como noutro, a realizadora Kathryn Bigelow filma a guerra num tom que parece integrar uma certa fluência documental, ao mesmo tempo que vai elaborando uma teia de sinais em que a dinâmica colectiva não exclui, bem pelo contrário, as mais elaboradas nuances individuais.
Ainda assim, as diferenças temáticas estão longe de ser banais. "Estado de Guerra" lidava com o dia a dia do Iraque, num registo em que a bizarra rotina (desmantelar bombas) envolvia uma inevitável e perturbante consciência da proximidade da morte. "Zero Dark Thirty" encena a caça a Osama bin Laden como uma vertigem, de facto, planetária em que cada um (espectador incluído) não pode deixar de sentir o assombramento de um mundo rasgado pelos mais perversos mecanismos de destruição.
Dito de outro modo: "Zero Dark Thirty" é um dos grandes filmes da América pós-11 de Setembro, procurando observar o obstinado combate contra o terrorismo, mas também o efeito de desgaste de um tempo de confrontos de muitos valores e sistemas. Nesse contexto, o planeta parece ser, de uma só vez, um território indecifrável e uma estranha e acolhedora paisagem virtual.
Estamos, assim, para além da especulação política de Michael Moore ("Fahrenheit 9/11", 2004), mas também do exercício de reconstituição dramática proposto por Oliver Stone ("World Trade Center", 2006). Bigelow filma um processo de revelação e descoberta em que, em última instância, se vai consolidando uma nova dinâmica das relações homens/mulheres.
Não por acaso, a personagem da investigadora da CIA, Maya (nome fictício), emerge como uma figura emblemática de toda a arquitectura dramática de "Zero Dark Thirty". Ela é, afinal, uma entidade solitária num universo tradicionalmente masculino, por vezes ameaçando resvalar para a insensibilidade do machismo. Nesta perspectiva, no seu misto de força e vulnerabilidade, Maya é também, desde já, uma das grandes heroínas da ficção americana do século XXI. Na sua composição, a admirável Jessica Chastain mostra que Hollywood não se esquece que o grande cinema é, antes de tudo o mais, uma questão humana.
