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PROGRAMAÇÃO: FEVEREIRO 2015
Sala de exibições
Pequeno auditório
Casa das Artes de V. N. de Famalicão
Parque de Sinçães - V. N. de Famalicão

SÓ OS AMANTES SOBREVIVEM de Jim Jarmusch
Sinopse
Adam e Eve são um casal de vampiros cuja história de amor perdura há já vários
séculos. A viver em Detroit, EUA, ele é um músico cínico e atormentado que, apesar do enorme
sucesso da sua carreira, há muito deixou de ter esperança na raça humana; ela, por seu lado,
passa a maior parte do tempo em Tânger, Marrocos, onde se perde no prazer da leitura, ao lado
de Christopher Marlowe, seu amigo de longa data. Quando, após algum tempo afastados, se dá o
reencontro, Adam e Eve regressam ao seu idílio romântico, onde tudo lhes parece perfeito.
Porém, quando a irmã mais nova de Eve decide aparecer sem pré-aviso, o que até aí parecia
inquebrável começa a ruir como um castelo de cartas...
Com argumento e realização do veterano Jim Jarmusch ("Noite na Terra", "Homem Morto", "Ghost Dog: O Método do Samurai", "Café e Cigarros"), esteve em competição pela Palma de Ouro na edição de 2013 do Festival de Cinema de Cannes. No elenco, os actores Tilda Swinton, Tom Hiddleston, John Hurt e Mia Wasikowska dão vida às personagens principais.
Ficha Técnica
Título original: Only Lovers Left Alive (Grã-Bretanha / Alemanha, 2013, 123 min)
Realização e Argumento: Jim Jarmusch
Interpretação: Tilda Swinton, Tom Hiddleston, Mia Wasikowska, John Hurt, Anton Yelchin
Produção: Jeremy Thomas, Reinhard Brundig
Musica: Jozef van Wissem
Fotografia: Yorick Le Saux
Montagem: Affonso Gonçalves
Distribuição: Lusomundo Audiovisuais
Estreia: 12 de Junho de 2014
Classificação: M/16
Só os Amantes Sobrevivem
Por Jorge Mourinha, Público de 19 de Junho de 2014
Um filme magistral que confirma o pico de forma de Jarmusch
Não é tanto um filme como um feitiço, um encantamento que Jim Jarmusch, um dos raríssimos cineastas independentes americanos contemporâneos no sentido mais purista da expressão, lança sobre o espectador.
Esta história de um casal de vampiros à toa num mundo contemporâneo, românticos perdidos num universo por demais materialista, combina sem esforço o humor em câmara lenta e a cinefilia pop-cultural a que Jarmusch nos habituou com um requinte formal absolutamente magistral.
Confirma o pico de forma de um cineasta que parece, como alguns vinhos, melhorar com a idade - desde a obra-prima Ghost Dog que Jarmusch tem alinhado os seus melhores filmes, nos quais a câmara lenta de uma nobreza elegíaca de Só os Amantes Sobrevivem se inscreve instantaneamente. É um dos filmes do ano.
À noite, na terra
Luís Miguel Oliveira, Público de 12 de Junho de 2014
Uma vénia a uma cultura tradicional em vias de desaparecer, um pequeno requiem por um mundo “pré-digital”.
Jim Jarmusch a fazer um “filme de vampiros”? A ideia pode parecer estranha, se não olharmos para além da mais recente, e muito teen, voga do “vampirismo” na cultura popular de grande circulação - e especialmente a série dos Twilight, que pormenor aqui pormenor ali até parece ser referenciada, e gentilmente desprezada, em Só os Amantes Sobrevivem. Mas se formos para além disso a estranheza dissipa-se, porque o recorte tradicional, romântico, da figura do vampiro, independentemente das suas dúzias de declinações cinematográficas, boas ou más (Só os Amantes Sobrevivem não é sequer um “filme de género”), apresenta de modo muito natural características típicas do que têm sido os protagonistas jarmuschianos no seus filmes dos últimos tempos. São marginais, condenados a uma existência clandestina dentro duma “bolsa cultural” muito própria e muito ritualizada; são noctívagos, habitam o “negativo” das vidas das pessoas comuns; e, sobretudo, são “antigos”, carregam com eles uma memória de séculos, uma memória que cada vez menos reconhece o mundo contemporâneo e é cada vez menos reconhecida por ele.
Só os Amantes Sobrevivem não resulta assim num filme terrivelmente diferente do anterior filme de Jarmusch, Os Limites do Controlo, que olhava com severidade a massificação cultural e a diluição da memória no mundo dos nossos dias. Em mais do que um sentido, é disso que Jarmusch continua a falar, mas agora refugiado num nicho, propriamente “romântico” (os “amantes”, o “amor”: a mesma tábua de salvação que antes dele Lang ou Godard encontraram...), que dispensa a severidade e encontra algum gozo resignado na sua condição marginal, como se tudo se passasse entre membros dalguma sociedade secreta. E desse posto as personagens de Jarmusch observam, com um desencanto reconfortado pelas suas próprias memórias, um mundo a acabar e a ser substituído por outro. Uma das sequências mais bonitas é um passeio, nocturno evidentemente, pelos arrabaldes da Detroit decadente e arruinada, com clímax numa paragem num antigo cine-teatro: a câmara demora-se a filmar o tecto, rebuscado e imponente, enquanto as personagens mencionam a história do lugar e o facto de ele estar hoje transformado num parque de estacionamento, momento em que a câmara desce para mostrar os automóveis estacionados e nos deixar, subitamente, com o plano mais parecido com o final do Holy Motors de Carax que desde então foi feito (e é caso para dizer que aos carros só falta falarem...). O espírito de Só os Amantes Sobrevivem, seguramente próximo do do filme de Carax, fica plenamente iluminado nessa cena. Um não-reconhecimento, claro, mas feito com uma suavidade, uma “nonchalance” tão isenta de amargura que se torna espantosa por isso mesmo.
Entre a Tânger, por exemplo de Bowles e Burroughs, e a Detroit, por exemplo da Motown, em que tudo se passa, Só os Amantes Sobrevivem é uma vénia a uma cultura tradicional em vias de desaparecer, um pequeno requiem por um mundo “pré-digital”. As memórias dos escritores (o impagável Marlowe de John Hurt) rimam com as guitarras e os discos de vinil, vestígios e artefactos de uma civilização desaparecida, sinais da inspiração “sombria” trazida por estas criaturas da noite (no léxico jarmuschiano também é evidente que há uma rima entre os “vampiros” e os “artistas”). Em terra “zombificada”, que é como os vampiros chamam aos não- vampiros (os zombies), a estas criaturas resta a solidão, uma solidão com um peso de séculos. Através daí, e com centro no seu par protagonista (Tilda Swinton e Tom Hiddleston), Jarmusch recorta ainda uma outra história, a história de um vieux couple, “velho” literalmente de séculos, e de um amor que é preciso revigorar, reinventar. A delicada melancolia dessa história é incrível, como incrível é a nota de ironia que a derradeira cena lhe acrescenta, ao encontrar finalmente uma função para os “jovens”: eles têm o sangue, novo e fresco, que é preciso roubar para, enfim, viver mais uns séculos.
