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PROGRAMAÇÃO:
JANEIRO de 2013
Sala de exibições
Pequeno auditório
Casa das Artes de V. N. de Famalicão
Parque de Sinçães - V. N. de Famalicão

ESSENTIAL KILLING - MATAR PARA VIVER de Jerzy SKOLIMOWSKI_
Sinopse
Capturado pelo Exército norte-americano no Afeganistão, um homem é enviado para
um centro de detenção secreto situado algures na Europa de Leste. Durante a sua
transferência, a viatura onde segue sofre um acidente e ele acaba por conseguir escapar.
Como um animal em fuga, perdido naquela paisagem branca e gélida, ele tem apenas uma
opção de sobrevivência: obedecer aos seus instintos mais básicos.
Quase sem diálogos e com Vincent Gallo como protagonista (e praticamente único actor), um filme minimalista escrito e realizado por Jerzy Skolimowski ("O Uivo", "Quatro Noites com Anna", "Moonlighting").
Ficha Técnica
Título original: Essential Killing (Irlanda / Noruega / Polónia / Hungria, 2010, 83 min.)
Realização: Jerzy Skolimowski
Interpretação: Vincent Gallo, Emmanuelle Seigner, Zach Cohen
Argumento: Jerzy Skolimowski, Ewa Piaskowska, James McManus
Produção: Ewa Piaskowska, Jerzy Skolimowski
Fotografia: Adam Sikora
Montagem: Réka Lemhényi
Distribuição: Zon Lusomundo
Estreia: 23 de Junho de 2011
Classificação: M/16
Críticas
Conto de inverno
Vasco Câmara, Público de 23 de Junho de 2011
Começa por se parecer com um "triller" de acção, foge e acaba por se encerrar na fábula. "Essential killing" e "essential filming".
Talvez Abu Grahib, Guantanamo - as fardas cor de laranja - ou o Iraque ou o Afeganistão, "reconhecemos" da televisão, da net ou de "Standard Operating Procedure", de Errol Morris, ou de uma ficção política mais ou menos "action movie" da Hollywood pós-11 de Setembro. Americanos procuram "terrorista", o fugitivo é identificado, a coisa, em termos cinematográficos, é a "standard operating procedure". São os 15 minutos iniciais do filme do polaco Jerzy Skolimowski, e é verdade que se experimenta estranheza: por ser tão imediatamente reconhecível, por a coisa nos ser entregue de bandeja.
Se calhar não estranhamos tanto o facto de o cineasta polaco se estar a preparar para fazer um "action movie" à americana, como o facto de o estar a fazer a despachar. Está. É um falso começo, esse. "Matar para Viver"/ "Essential Killing" só começa a ser essencial quando o prisioneiro (Vincent Gallo) é um homem em fuga. Ou seja, quando o filme foge do género "thriller" político - e sobre a política Skolimowski já disse que a colocou ao largo do seu cinema, pelo menos em termos explícitos, desde que, em 1967, foi obrigado a sair do seu país na sequência da proibição de "Hands Up!", que ele reclama ser o seu melhor filme e que é o terceiro capítulo de uma espécie de trilogia formada com os anteriores "Identification Marks: None" (1964) e "Walkover" (1965).
Sobre a história pessoal do fugitivo e sobre a História, só veremos, então, assombrações. "Essential Killing" é a espaços assaltado por elas, pesadelos do filme que não é e não quer ser - como se este filme sonhasse. Mas é essa falsa partida e as assombrações que se seguem - por exemplo, o mundo privado da personagem do muçulmano Gallo, convocações sensuais, quentes e doces à la Paradjanov - que trabalham em "Essential Killing", conto de inverno rigoroso, cruel (mas também doce) sobre a sobrevivência, a sua natureza de coisa em fuga.
Vincent Gallo e a natureza, então. Sem diálogos - o que não é o mesmo que dizer sem vozes. Qualquer coisa da ordem da negociação: um fugitivo na paisagem inóspita, gelada (como Robert Reford no substimado "Jeremiah Johnson", que Sidney Pollack filmou em 1972), um relato carnívoro de uma iniciação, que se cumpre (como esse sublime "Deep End", que Skolimowski filmou em Londres em 1970). Gallo resiste, sobrevive, entrega-se, é reconhecido pelos seus pares, os animais, numa sequência (de algum apaziguamento, de irremediável entrega) que podia ser a de um Conde Drácula com os lobos. Lembrámo-nos, também, da destruição da habitual pirâmide de prioridades da figuração que propôs "Le Quattro Volte", de Michelangelo Frammartino, ao fazer desaparecer os diálogos e (progressivamente) os humanos e permitindo que o filme fosse invadido por cabras. Sim, mas no caso de "Essential Killing" a questão é de metamorfose: Gallo, que como personagem com narrativa pessoal já começa o filme razoavelmente nu, vai sendo espoliado do resto da sua história humana - e "Essential Killing" vai sendo isolado da História - para iniciar uma aventura de transformação, sem retorno, pela natureza. O que vemos no fim pode ser a sua morte. Mas Skolimowski mostra algo que se parece com outra forma de vida. E eis como aquilo que começou a parecer-se com um "triller" de acção fugiu de forma irremediável para o mundo da fábula. Selvagem e lírica, porque é de Skolimowski que se trata. Essential filming.
Uma guerra (quase) abstracta
João Lopes, Cinemax
O cineasta polaco Jerzy Skolimowski ("Quatro Noites com Anna") está de volta com "Matar para Viver", um estranho e fascinante filme sobre a experiência humana da guerra.
O menos que se pode dizer do mais recente filme do polaco Jerzy Skolimowski, "Matar para Viver" (título original: "Essential Killing"), é que as suas características desafiam a nossa visão corrente do que seja um filme-de-guerra. Aqui temos, de facto, a história de um homem, Mahommed (o brilhante Vincent Gallo), que foge às formas militares americanas... Onde?
O insólito começa aí, na identificação do lugar. Porque, por um lado, somos de imediato levados a supor que se trata do Afeganistão ou do Iraque; ao mesmo tempo, por outro lado, dir-se-ia que o filme caminha no sentido de uma crescente abstracção. Skolimowski filma, afinal, uma acção que tende para uma depuração radical, em que as coordenadas geográficas e políticas se vão esbatendo, mesmo se é verdade que os dramas da sobrevivência se vão agudizando de forma brutal. "Matar para Viver" lança-nos, assim, perante uma questão que tem tanto de filosófico como de mediático: que resta quando já nada resta a não ser a visceral energia do ser humano que não quer morrer?
Daí o incómodo, mas também o fascínio, que o trabalho de Skolimowski pode gerar. Não se trata de repetir a visão "informativa" das notícias televisivas, mas sim de redescobrir o factor humano numa espécie de origem existencial em que, nem que seja por singular e comovente ingenuidade poética, todas as formas de belicismo se revelam impossíveis de sustentar.
"Matar para Viver" existe, assim, como um objecto de cinema que desafia a história, ou melhor, as formas correntes de abordar a história. Há nele a energia de uma verdadeira cerimónia narrativa. Trata-se também de perguntar: em que acreditamos quando dizemos que acreditamos nas potencialidades humanas? E não há respostas simples nem definitivas. Muito menos universais.
