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COMO DESENHAR UM CÍRCULO PERFEITO de Marco Martins

Sinopse

Numa sombria e decadente mansão, no centro da cidade de Lisboa, vivem os gémeos Guilherme e Sofia (Rafael Morais e Joana de Verona), de 16 anos, e Leonor (Beatriz Batarda), uma mãe ausente, que delega nos dois filhos a responsabilidade de cuidarem da casa e de si próprios. Os dois cresceram habituados a depender apenas dos afectos um do outro e, de mãos dadas, vão despertar para a vida, para o amor e para a sexualidade. Sofia desde pequena prometeu a sua virgindade a Guilherme e essa será a obsessão do rapaz até ao dia em que ela decide cumprir com o prometido...

Cinco anos depois de "Alice", Marco Martins regressa com uma história dramática sobre as primeiras descobertas da adolescência e sobre um isolamento que conduz ao amor incestuoso entre dois irmãos. .

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Ficha Técnica

Título original: How to Draw a Perfect Circle (Portugal, 2009, 122 min)
Realização: Marco Martins
Interpretação: Rafael Morais, Joana de Verona, Daniel Duval, Beatriz Batarda
Argumento: Gonçalo M. Tavares, Marco Martins
Produção: António da Cunha Telles, Pandora da Cunha Telles
Musica: Bernardo Sassetti
Fotografia: Carlos Lopes
Montagem: João Braz, Richard Marizy
Distribuição: Zon Lusomundo
Classificação: M/16

Críticas

As Folhas Ardem
Por Manuel Margarido

Quando estreou Alice (2005) fascinou-me a capacidade de Marco Martins dar espessura e dimensão a uma história tão “magra”. A brilhante linguagem cinematográfica do autor encarregou-se de criar um filme inesquecível (para o qual muito contribuíram, claro, a soberba interpretação de Nuno Lopes, a banda sonora de Bernardo Sassetti, a direcção de fotografia de Carlos Lopes (Cácá).

Hoje estreia “Como Desenhar Um Circulo Perfeito“, do mesmo realizador. Já não estamos no domínio da disfuncionalidade social/familiar, mas na ruptura dos conceitos família/relação. Histórias limite, histórias no limite, antítese da imagem do “desenho de um círculo perfeito”; ou metáfora (porque a história permite leituras plurais e, ou muito me engano ou vai ser alvo de debate no mais cretino dos terrenos, o da moral). Como diz Marco Martins em excelente entrevista dada hoje a Eurico de Barros, no DN.”Quando estava a escrever o argumento, descobri no YouTube que havia um campeonato mundial de desenho de círculos perfeitos e pareceu-me que seria uma metáfora perfeita e muito forte para a personagem do Guilherme e para sugerir que eles estão presos dentro de um desses círculos.“

Assinale-se que o argumento é assinado em conjunto pelo realizador e pelo escritor Gonçalo M. Tavares; que a banda sonora continua a contar com Bernardo Sassetti; e que no elenco surgem, para lá dos jovens “actores” protagonistas, gente como Beatriz Batarda e Lourdes Norberto, razões de expectativa, escolhas inteligentes. Refira-se ainda a troca de produtor: de Paulo Branco em Alice, Marco Martins passa a trabalhar com António e Pandora Cunha Telles.

Os gémeos, o incesto e o círculo perfeito
Por Alexandra Prado Coelho (PÚBLICO)

A sala é escura, a mobília antiga, anos 50, mas com o ar de que alguém se esqueceu dela há muito tempo, tal como ninguém levantou o prato sujo abandonado em cima da mesa, ao lado de uma Sagres vazia, uma cafeteira de metal, uma garrafa de rum e um cinzeiro de beatas frias. Tal como - reparamos agora - alguém parece ter-se esquecido daquele homem, camisola azul de lã grossa, cabeça apoiada nos braços, deitado sobre a mesa.

Mas, de repente, quase sem se dar por ele, um rapaz de caracóis negros aparece, pousa uma mão no ombro do homem, e fala-lhe baixinho, em francês: "Papá, vem deitar-te". Sentada no chão, encostada a uma das paredes de pedra da casa, com um capacete de mota na mão, está uma rapariga. É difícil perceber na penumbra, mas está a chorar silenciosamente. Algo não funciona nesta família, isso é evidente. Mas só mais tarde, depois de mais algumas cenas no exterior da casa, e de conversas com os actores e com o realizador, Marco Martins - a filmar a sua segunda longa-metragem, "How to Draw a Perfect Circle" (produção Filmes Fundo, de António e Pandora da Cunha Telles), depois de "Alice", a história de uma criança desaparecida em Lisboa -, vamos conseguir unir as peças do puzzle e perceber que mal-estar é aquele, que personagens são aquelas, o homem que se deixa cair em cima do sofá poeirento, o rapaz de gestos tímidos que se senta a olhar a lareira, a rapariga de cabelos compridos que chora no canto. Pouco depois - a equipa trabalha com rapidez, falando baixo, como se tivesse medo de despertar fantasmas naquela casa de pedra perto da Praia das Maças - já está tudo preparado para outra cena, no exterior. O pai e os dois filhos saem de um carro. O homem, olheiras, barba por fazer, avança com um maço de jornais debaixo do braço. O rapaz - sempre os mesmos gestos tímidos - tira uma mochila do porta-bagagens e entrega-a à rapariga. Esta segue o pai com um olhar de desprezo e depois, com gestos sacudidos, pega na mochila e avança também para a casa.

Dois irmãos diferentes

Guilherme (Rafael Morais) e Sofia (Joana de Verona) são irmãos gémeos, filhos de pais separados, ele francês (Daniel Duval), ela portuguesa (Beatriz Batarda). Dois irmãos diferentes. Rafael senta-se à frente da lareira agora apagada e sorri docemente: "O Guilherme está apaixonado pela irmã. É uma pessoa muito fechada nas suas coisas, no seu mundo, na sua casa, dentro de uma bolha, e não está interessado nas coisas mundanas, comuns. É muito diferente da irmã, e talvez seja por isso que se sente atraído por ela".

Dali a pouco a casa está mergulhada na escuridão - já é noite e está a preparar-se mais uma cena no exterior - e é Joana quem se senta no mesmo sofá. E percebe-se que há muito dos actores nas personagens - ou vice-versa. Tudo o que Rafael tem de discreto, de contido, de pausado, Joana tem de entusiasmo e de inquietação. Fala muito - no final pede desculpa, "se calhar falei demais?" - num turbilhão de explicações sobre Sofia. "Os dois irmãos são muito amigos, têm uma grande cumplicidade. Mas o Guilherme é mais apegado ao passado, à infância. Para ele, morar na mesma casa, ter a mesma vida, a mesma ligação com a Sofia, seria o ideal. A Sofia quer uma emancipação. Já não é mais uma criança, tem sede de viver, de descobrir outras coisas com outras pessoas. O irmão ama-a. Mas ela não o ama como homem".

Esta é a história do desmoronar de uma família. Mas é também uma história de incesto e da descoberta da sexualidade na adolescência. Tudo começou com uma imagem no You Tube: um rapaz a desenhar um círculo perfeito à mão levantada. Marco Martins parou a olhar para aquele videozinho de um rapaz, um gesto, um círculo perfeito, e achou que havia ali uma história. "O movimento interessou-me, e achei que havia uma metáfora forte. Imaginei esta personagem, um rapaz que desenhava círculos perfeitos à mão levantada, alguém que queria fechar o mundo dele num círculo perfeito". E viu, pela primeira vez, Guilherme.

A história de Daniel Duval

Daí foi surgindo (com a colaboração do escritor Gonçalo M. Tavares) a história do incesto nesta família que vive isolada do mundo, e "aquele universo que as duas crianças, um pouco "enfants terribles", criaram". A escolha dos actores foi um processo longo e que veio influenciar a história. "Quando se faz um "casting" o actor que se escolhe vai sempre condicionar a personagem. Há um ADN de cada actor que condiciona a história", explica o realizador.

Foi assim que Rafael - escolhido entre um universo de 400 candidatos - marcou Guilherme. "No início o Guilherme era uma personagem mais andrógena, com uma sexualidade mais dúbia, depois achei que era mais interessante ter um jovem homem e construir uma história com uma tensão sexual mais forte, mais explícita". A escolha da Joana "foi muito evidente, até por contraposição com ele". Era preciso uma personagem "mais histriónica, que não mede tanto as consequências dos seus actos, que é muito mais coração, enquanto ele é muito mais cabeça".

O filme tem outra personagem central, apesar de silenciosa: a casa da família, onde a mãe vive com os gémeos, uma mansão na zona de Benfica, com um jardim dividido por um muro. Do outro lado está a avó, que passa os dias junto à piscina. A decadência da casa acompanha o desmoronar da família, enquanto a mãe vai vendendo o interior aos pedaços. Uma casa de onde Sofia quer sair, mas que para Guilherme é tudo - é o círculo perfeito da sua infância, que ele quer proteger a todo o custo do mundo exterior.

E há ainda a mãe com dificuldades para sustentar a família, Beatriz Batarda novamente, depois do papel de mãe desesperada com o desaparecimento da filha em "Alice", há uma avó (Lourdes Norberto), e há este pai, admirado pelo filho, detestado pela filha, mergulhado em álcool e crise existencial. Quando recebeu o guião, em Paris, Daniel Duval (actor de "Será que vai nevar no Natal?" de Sandrine Veysset e "Vent de la Nuit" de Garrel) apaixonou-se pela história.

Agora é ele que está sentado, com um sorriso simpático no rosto marcado, no mesmo sofá em frente à lareira, na semi-obscuridade, a contar-nos como foi ali parar. "Normalmente demoro dias, ou semanas, a ler um guião, e neste caso li de uma vez só. Achei soberbo. Recebo muitos guiões, mas é raro encontrar um assim".

Mas não foi só por ser uma bela história que Duval (que até hoje ainda não quis ver "Alice") aceitou. Foi porque era também a história dele. "Tenho duas filhas, uma com a mesma idade da Sofia. Foi a mãe que a criou, mas há quatro anos ela veio viver um ano comigo. Foi terrível, porque ela estava a viver com um estranho, discutíamos muito porque ela tinha uma visão da vida que lhe tinha sido incutida pela mãe e que não era a minha. Foi violento para a nossa relação, mas agora é formidável, porque a deixei aproximar-se e ela aprendeu a conhecer-me".

Aquele homem que há duas horas atrás estava a dormir com a cabeça deitada numa mesa ao lado de um prato sujo, Duval conhece-o bem. "É alguém de quem eu podia ter sido próximo há 15 anos. Há 15 anos tive uma depressão assim, bebia muito, esperava que tudo passasse. E um dia parei de beber, recomecei a trabalhar, realizei um filme, entrei noutros como actor". Marco conhecia a história de Daniel Duval e "à medida que ia escrevendo, a personagem ia ficando mais e mais parecida com a história pessoal dele. E se inicialmente o pai podia ter sido um português, a certa altura ficou certo que seria francês e que seria Duval".

"Não quero que acabe nunca"

Depois, durante dois meses, Marco Martins trabalhou com os actores, discutindo e moldando as personagens. Para Joana e Rafael foi uma experiência extraordinária. Ambos com 18 anos, ele com alguma experiência de teatro, um papel pequeno noutro filme, ela com passagem pela televisão e também um papel pequeno no cinema, tiveram pela primeira vez uma oportunidade de criar, com um realizador, uma personagem principal. Marco deu-lhes filmes para verem - "Eu, Tu e Todos os que Conhecemos", de Miranda July, "Felicidade" de Todd Solondz, "Elephant", de Gus Van Sant, "La Luna", de Bertolucci, "O Pântano", de Lucrecia Martel, "As Virgens Suicidas", de Sofia Coppola.

E eles mergulharam nas personagens. "O mais complicado na Sofia", diz Joana, "é que ela é uma adolescente mas também uma mulher, não é uma Lolita, de todo, embora use a sua sexualidade. É uma sedutora ingénua, com muitas inseguranças, mas que não quer passar por fraca. Podia ser só uma miúda ousada e provocante, mas não é só isso. Podia ser só perdida e confusa, mas também não é só isso. É muita coisa, como toda a gente".

E Rafael: "Primeiro tive que ver o que o Guilherme defendia, aquilo em que acreditava e o que rejeitava, para depois me fechar naquilo que lhe interessava. Ele tem algumas coisas a ver comigo. Também sou uma pessoa fechada nas minhas coisas, não tão exageradamente, mas de certa forma também vivo dentro de um círculo". Guilherme, a personagem, anda sempre com um caderninho em que faz colagens, escreve, onde guarda o seu mundo interior. Rafael fez o caderninho, anda sempre com ele, escreve, mistura o seu mundo com o de Guilherme. "Decidi isolar-me, viver sozinho para criar o meu espaço do Guilherme, comprometer-me totalmente com esta personagem. Nunca me acontece pensar se devia ter feito um gesto mais à Guilherme e menos à Rafael, porque nestes últimos meses também já não sou o Rafael". A Sofia "está sempre fora a dentro de mim", acrescenta Joana. E depois, numa explosão que podia ser de Sofia: "Está a ser tão bom. Não quero que isto acabe nunca. Não quero que acabe nunca".

Quando vimos embora, Marco está a discutir com os três actores uma cena passada à mesa de jantar, no jardim. À volta está tudo escuro. Há apenas um foco apontado para eles. Todos falam em vozes baixas, repetem o texto, experimentam com outra inflexão. Daniel Duval mete-se com Joana, ela ri-se, Rafael sorri. Visto à distância parece um círculo perfeito. E eles, como Guilherme, não querem sair.

A conversa contínua de Marco Martins (entrevista)

Marco Martins coloca-se no grupo dos realizadores que "mantêm uma conversa de filme para filme". A mesma linguagem para uma história com "um lado mais pesado, quase sujo".

O guião foi escrito a meias com o escritor Gonçalo M. Tavares. Como é que aconteceu a colaboração?

Trabalhei nas primeiras versões sozinho, mas apetecia-me ter outra visão sobre aquela história. E que o que eu estava a escrever tinha a ver com as coisas que o Gonçalo M. Tavares escreve. Havia um lado pesado e quase sujo na minha história que era diferente do universo do "Alice" e que acho que se conectava muito com ele. Ele é meu vizinho, costumamos tomar café juntos, foi muito fácil.

Não foi complicado juntar dois mundos pessoais diferentes?

Não. Tendo eu escrito as primeiras versões do guião, ficou claro que eu teria a liberdade para usar, ou não, o que ele escrevesse. Em termos estruturais, a história manteve-se. Ele criou uma série de outras personagens, e colaborou muito nos diálogos.

Depois do "Alice" sentiu pressão em relação à expectativa sobre o que iria fazer a seguir?

Não, estava ansioso por voltar a filmar, porque passa sempre muito tempo entre dois filmes. Acreditamos sempre que vamos fazer um filme melhor e que a nossa visão sobre o cinema também já é diferente, há outros aspectos que nos apetece explorar e há uma depuração da linguagem.

Estava preocupado em manter uma coerência de universo com "Alice"?

Essa coerência está lá sempre. Nunca temos que nos preocupar sobre o que é o nosso estilo ou a nossa linguagem. Eles estão lá, sobretudo em projectos destes em que trabalhamos durante oito meses desde o guião à montagem. Aquilo somos nós, não há outra hipótese.

Em "Alice" havia também um lado de obsessão e um fechamento em relação ao mundo.

Há criadores que mudam de estilo de projecto para projecto, de filme para filme, e outros que mantêm uma conversa contínua ao longo da vida. Acho que sou mais desse género. Não me apetece de repente fazer uma coisa completamente diferente. Há um universo que vou explorando, depurando, que é o meu, e de repente apetece-me falar de outras coisas.

No "Alice" não existia o aspecto da sexualidade nem cenas de sexo fortes. Neste filme existem e é algo novo. Mas plasticamente é muito parecido, mantém-se a linguagem.

Como é que vai abordar essas cenas?

Normalmente as cenas de sexo nunca acrescentam nada aos filmes. Eu queria que acrescentassem, e neste caso é fácil porque são dois irmãos e dentro dessas cenas dá-se uma modificação psicológica nas personagens. No fundo é trabalhar muito com os actores sobre o que é a fisicalidade naquela idade, quebrar os clichés que existem à volta dessas cenas.

É complicado fazer isso com actores tão novos?

É sempre complicado. Obviamente tem que existir intimidade e confiança entre todos, mas gosto de encarar essas cenas como mais uma no filme.

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