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PROGRAMAÇÃO: DEZEMBRO 2013

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Kleber MENDONÇA FILHO
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Sala de exibições Pequeno auditório
Casa das Artes de V. N. de Famalicão
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O SOM AO REDOR de Kleber Mendonça Filho

Sinopse

A vida numa rua de classe média, na zona sul do Recife, toma um rumo inesperado com a chegada de uma milícia que proporciona paz de espírito, através da segurança particular. A presença destes homens traz tranquilidade para alguns e tensão para outros, numa comunidade que parece temer muita coisa. Enquanto isso, Bia, casada e mãe de duas crianças, procura uma forma de lidar com os latidos constantes do cão do seu vizinho. Uma crónica brasileira e uma reflexão sobre história, violência e barulho.

Filme indicado pelo Brasil para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

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Ficha Técnica

Título original: O Som ao Redor (Brasil, 2012, 131 min.)
Realização e Argumento: Kleber Mendonça Filho
Interpretação: Gustavo Jahn, Irandhir Santos, Irma Brown, Maeve Jinkings
Fotografia: Pedro Sotero
Montagem: João Maria, Kleber Mendonça Filho
Música: DJ Dolores
Produção: Emilie Lesclaux
Som: Kleber Mendonça Filho, Pablo Lamar
Estreia: 5 de Dezembro de 2013
Distribuição: Nitrato Filmes
Classificação: M/12

Críticas


Ágata Pinho

O Som ao Redor tem um ambiente e um estado de alma próprios e instala-nos numa vizinhança de sons, imagens fortes e personagens intrigantes. Os espaços que as envolvem têm um misto de arejado com sufocante e há sempre uma presença quase fantasmagórica à espreita dentro e fora de campo. Num bairro de classe média no sul do Recife, as interacções urbanas são problematizadas: a confiança, o respeito, a autoridade. Um grupo militar vem oferecer segurança pública e paz, mas as águas estão agitadas e as relações humanas não arredam pé da complexidade - ou dos instintos mais básicos que interferem com as normas. As crianças brincam às massagens em cima da mãe exausta, os adultos brincam ao amor ocasional e tentam manter- se a salvo. A arquitectura, a enquadrar a paisagem, é explorada como comentário e prenúncio de que algo já não funciona.

O Som ao Redor (2012) de Kleber Mendonça Filho
Luis Mendonça, CINEdrio

O jogo coral é intenso aqui: uma acção reverbera noutra como os sons, diegéticos e extra- diegéticos, se vão, em sentido quase literal, "edificando". Esta ideia de construção está desde logo plasmada no movimento da câmara, no encadeamento da montagem, nos vários detalhes das pequenas narrativas que despreocupadamente se vão desenrolando, sem procurarem explorar a ansiedade do espectador - apesar de uma certa tensão latente, ao contrário de um Iñarritu, não há aqui nenhum trauma ou evento trágico que liga todas as personagens entre si, nem tão-pouco o filme assentará a sua estrutura naquele que poderá ser considerado o seu principal ou único twist dramático.

Posto isto, temos aqui um cineasta que pensa audio/visualmente o espaço que serve de palco rotativo ao encadeamento das histórias; não só ao registo da vida de um bairro (= ecossistema) suburbano no Recife mas, antes de mais, à construção de imagens e sons que funcionam, elas mesmas, numa vizinhança imperfeita, sempre "em construção". É também obviamente um retrato social de classes com a mordacidade e um sentido de humor - e terror! - muito próprios, mas decididamente não é aí ou só aí que "O Som ao Redor" se revela um refrescante naco de cinema. Kleber Mendonça Filho trabalha as personagens ao mesmo tempo que à volta e dentro delas (nessas extraordinárias curtas-metragens que são os seus sonhos!) cria uma atmosfera de sentidos (sons, movimentos, cores) no lugar de colar os cacos todos através de uma espalhafatosa "grande narrativa" que justifique e melodramatize tudo o que é dado a ver (à la Iñarritu).

O uso da elipse perto do fim - em torno do desenlace do romance que abre o filme - é um exemplo de como a ânsia de mostrar e ao mesmo tempo justificar ou explorar a realidade sentimental destas personagens pode ser dominada e, com isso e pela surpresa, nos "provocar" mais - e mais coisas. Esta brilhante primeira obra pede para ser vista e revista várias vezes. É que o prazer da descoberta deste ou daquele detalhe parece não se ficar apenas pelo primeiro visionamento. Até quando temos nós, portugueses, de esperar pela sua estreia comercial?

Entrevista a Kleber Mendonça Filho e o «Som ao Redor» da Sociedade do Simulacro
http://www.ante-cinema.com, 10 de Fevereiro de 2012

“O filme ficou pronto ontem à noite”. Foi esta a primeira frase que ouvi de Kleber Mendonça Filho. O realizador e crítico brasileiro estreou mundialmente, no Festival de Cinema de Roterdão 2012, o seu último filme O Som ao Redor e arrecadou o FIPRESCI Award (Prémio da Federação Internacional dos Críticos de Cinema) da edição deste ano.

Som ao Redor capta isso mesmo.. O som de um (sor)riso, de uma lágrima, de um abraço ou de uma discussão (ao redor) do dia a dia de um bairro brasileiro que afinal podia ser mesmo aqui ao lado. E este é um som que se amplifica sem a ajuda de qualquer amplificador, mas sim do ouvido de quem o ouve e dos olhos quem o vê. A fotografia é soberba, e a construcção do filme inteligente, dinâmica e integrativa dos milhares de componentes que o constituem.

ANA BERNARDO (ANTE-CINEMA): Porquê a estreia de um filme brasileiro em Roterdão?

KLEBER MENDONÇA FILHO: Este projecto ganhou o script development funding do Hubert Ballse. Este prémio abriu-nos muitas portas e permitiu que conseguíssemos financiamento para produzir o filme. A Petrobras, o estado de Pernambuco e o Ministério da Cultura também nos resolveram apoiar a partir dai. Roterdão foi a primeira bandeira verde para o filme, e desde que ganhámos esse prémio, o Hubert Balls acompanhou o desenvolvimento do filme. Quando a versão semi-final estava pronta, enviei-a para cá e eles quiseram que o filme entrasse na competição deste ano. Eu aceitei, e aqui estou. Além de ser um grande festival, este ano a programação é particularmente interessante porque tem uma ligação forte com o cinema brasileiro: a retroespectiva dos filmes da Boca do Lixo, o Sudoeste também na competição, Hipermulheres, a Febre do Rato, e eu estou a sentir-me em casa.

AB: Há uma classe emergente de novos realizadores brasileiros, que de certa forma está a cortar com as tendências antigas do próprio cinema brasileiro. Visto que estamos num processo de viragem da economia mundial, que acredito que terá o seu contributo para que o Brasil venha a ser uma das maiores potencias económicas no futuro. Será que essa classe é importante para mostrar ao país e ao governo que o desenvolvimento além de económico também tem deve ser cultural?

KMF: O cinema brasileiro hoje está dividido em vários sectores diferentes. Temos o cinema brasileiro 100% comercial, onde estão incluídos os filmes da Globo, temos os filmes de Hollywood e temos o cinema independente que como em qualquer outro lugar do mundo tem muitas dificuldades de atingir um público maior. Para estes últimos o território é muito inóspito. Mas é importante fazer filmes, mesmo não sabendo se vai ser comercialmente viável ou não. França, por exemplo, é muito boa a apoiar este tipo de projectos. Nos Estados Unidos isso não acontece, e cada filme que se faz tem que ser comercial e dar lucro. Quanto ao Brasil acredito que é um país com uma boa política de apoio à cultura. A região de onde venho, Pernambuco, tem vindo a investir muito no cinema. Este ano em Roterdão, directamente de Pernabunco vieram o Som ao Redor, Febre do Rato, Hipermulheres e Praça Walt Disney. São quatro filmes, e isso mostra o tipo de atenção que o governo tem dado à nossa região no sentido de dar oportunidade aos realizadores locais de fazerem filmes completamente diferentes e muito pessoais, e que de alguma forma têm sido muito bem sucedidos.

AB: A Europa será um palco com maior visibilidade para esse tipo de filmes?

KMF: Essa questão é muito complexa. Por um lado existe um provincianismo muito grande no Brasil. Se o filme fosse estreado num festival do país não teria um impacto tao grande como exibi- lo em Cannes, Locarno ou Roterdão. Por essa razão, faz parte do sistema tentarmos exibir os filmes fora do Brasil. No meu caso isso foi ainda mais natural, porque eles fizeram o acompanhamento do filme. No entanto esta estreia pode ser um pouco arriscada, visto que o meu filme é um filme genuinamente brasileiro e provavelmente vários códigos do filme vão-se perder na tradução. Mas vai continuar a ser exibido na Europa, e provavelmente chegará ao Brasil apenas no segundo semestre deste ano.

AB: O Hubert balls ajuda-vos a semear a semente do vosso projecto, mas depois também acompanha o crescimento. Qual é a importância real desse acompanhamento para o desenvolvimento do filme? Não seria importante que outros festivais o fizessem?

KMF: Eu só encontro esse tipo de iniciativas na Europa. Acho fundamental que festivais que já têm um certo nome, uma certa influência e um certo poder no panorama do cinema, estimulem novos realizadores a desenvolver novos projectos. É interessante, porque como costumo dizer, eles pescam dentro de um aquário. Criam aqueles peixes, e pescam os peixes que eles próprios criaram. No Brasil não existe essa mentalidade. Apesar de se realizarem centenas de festivais de cinema, não existe ainda essa iniciativa de apoiar e acompanhar os artistas. Sem dúvida que a Europa nisso está na linha da frente, e Roterdão é talvez o maior exemplo. Há filmes da Ásia, America Latina, Europa do Leste e do Médio Oriente que são apoiados pelo Festival. O ambiente do festival é muito fértil para proporcionar encontros entre realizadores e financiadores. E esses encontros podem acontecer num Cocktail ou num meeting oficial. Eu acho que é um aspecto que o festival retira da própria cultura holandesa, a Holanda é um país muito pequeno mas exímio em ligar-se ao resto do mundo. Os festivais em geral devem ser locais onde as pessoas trocam ideias, mas Roterdão faz isso de forma oficial ao nível do Cinemart e do fundo Hubert Balls. A primeira vez que vim ao festival, eu não conhecia ninguém. Apresentei o meu projecto, alguém gostou e a partir daí apoiaram-me muito. Fizeram uma restroespectiva das minhas curtas em 2006, e de certa forma fizeram uma descoberta do meu trabalho.

AB: O que podemos esperar de “O Som ao Redor”? Já ouvi algumas comparações com a sua curta “Electrodoméstica”, segue na mesma linha?

KMF: Compreendo porque é que as pessoas dizem isso, mas para mim Som ao Redor é um filme completamente diferente. É um filme sobre a sociedade brasileira, mas não quero que isso soe presunçoso. É uma observação pessoal de alguém que vive num bairro e que está atento a questões muito peculiares do Brasil e da sociedade brasileira. É também um filme de um cineasta que queria fazer um filme realista e ao mesmo tempo não tinha paciência para fazer um filme 100% realista, porque acho que o realismo 100% é chato. Este Som ao redor é uma observação muito própria. Se for um bom filme, as pessoas vão vê-lo e no final vão saber tirar as suas próprias conclusões. O filme não critica, mostra. Tal como o Electrodoméstica. O Recife frio é um pouco mais aguçado, no que respeita à sua faceta crítica. Mas o que eu acho é que as pessoas não conseguem visualizar bem o que se passa na vida real as pessoas, é como se lhes faltassem óculos que lhes permitissem fazê-lo. E para mim os filmes podem ser como uns óculos que as pessoas colocam e que lhes mostram para além do que elas veriam naturalmente.

AB: Sendo crítico de cinema em que medida isso tem influência na forma como vê o objecto dos seus filmes e na forma como avalia o produto final do próprio filme?

KMF: Quando temos a ideia de fazer um filme é como entrar num recinto que está escuro. Temos que acender a luz para ver a disposição dos objectos no espaço, precisamos de ter uma mínima ideia de onde esse filme ser irá encaixar. A ideia não será perfeita mas pelo menos tem que haver uma ideia preliminar, porque não faria sentido fazer um filme repetido. Temos que fazer algo que seja remotamente novo, fresco. E por essa razão, a minha profissão como crítico ajuda-me bastante. A segunda parte da pergunta é mais difícil de responder. Quando faço um filme, faço um filme de uma forma muito intuitiva e muito orgânica. E é-me impossível ser crítico enquanto dirijo um filme, porque a acção de fazer o filme é algo que me sai naturalmente: simplesmente faço-o. Não posso policiar-me, tenho que fazer o filme e esperar que tudo dê certo.

AB: Já tem algum novo projecto em mente?

KMF: Estou a escrever um guião para um filme que possivelmente será um filme de terror e ficção científica. Mas é um filme que, na verdade, fala na forma como o cinema representa as pessoas. É algo que me toca profundamente, porque a forma como as pessoas são representadas é uma questão muito importante para mim e um problema grave no Brasil. A Globo tem um poder incrível em fazer com que toda a gente entre no formato dela, e não no formato da realidade, e quero muito trabalhar sobre isso.

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