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PROGRAMAÇÃO: JANEIRO 2014
Sala de exibições
Pequeno auditório
Casa das Artes de V. N. de Famalicão
Parque de Sinçães - V. N. de Famalicão

LIKE SOMEONE IN LOVE de Abbas Kiarostami
Sinopse
Akiko (Rin Takanashi) é uma jovem japonesa que secretamente se prostitui para pagar
os estudos universitários. Ninguém, nem mesmo o seu namorado Noriaki (Ryo Kase), sabe desta
actividade. E ela protege esse segredo não apenas pelo medo do julgamento, mas também pela
sua própria dificuldade em lidar com a situação. Um dia, conhece Takashi Watanabe (Tadashi
Okuno), um velho professor catedrático, que se torna seu cliente regular e é, em todos os
aspectos, a absoluta antítese de Noriaki. É assim que, inesperadamente, Akiko se começa a sentir
dividida entre um namorado jovem, mas rude e ignorante, e um velho amável com quem
consegue uma partilha intelectual que a faz sentir-se viva e, acima de tudo, respeitada.
Um filme totalmente falado em japonês, com argumento e realização do iraniano Abbas Kiarostami ("O Sabor da Cereja ", "Através das Oliveiras", "O Vento Levar-nos-á", "Shirin", "Cópia Certificada"), sobre a relação inesperada entre uma jovem prostituta e um velho senhor durante apenas 24 horas.
Ficha Técnica
Título original: Like Someone in Love (Japão / França, 2012, 109 min.)
Realização e Argumento: Abbas Kiarostami
Interpretação: Rin Takanashi , Tadashi Okuno, Ryo Kase
Montagem: Bahman Kiarostami
Fotografia: Katsumi Yanagijima
Produção: Marin Karmitz, Kenzo Horikoshi
Distribuição: Midas Filmes
Estreia: 26 de Setembro de 2013
Classificação: M/12
Críticas
O génio de Abbas Kiarostami
João Lopes, Cinemaz
Abbas Kiarostami continua a filmar fora do Irão: com "Like Someone in Love", rodado no Japão, volta a explorar as máscaras das relações humanas. Desta vez com um humor que, por vezes, tende para o burlesco...
Por vezes, os grandes cineastas exprimem-se através dos registos mais ligeiros, porventura mais fúteis... Assim acontece com o filme de Abbas Kiarostami que, em 2012, esteve presente no Festival de Cannes: "Like Someone in Love" é uma comédia quase romântica num registo quase burlesco, ilustração admirável de um génio cinematográfico que não se cansa de experimentar os limites da sua própria linguagem.
No centro do filme está uma estudante que se prostitui. Ao visitar um velho professor, depara com uma recepção insólita, já que o cliente insiste em... oferecer-lhe um jantar que ele próprio vai confeccionar. As coisas tornam-se ainda mais desconcertantes quando o namorado da estudante conhece o professor, julgando que é o seu avô... A ponto de lhe pedir a mão da neta...
Tudo isto surge filmado como um delicioso bailado de encontros e desencontros, evidências e máscaras, em que, em boa verdade, não sabemos onde termina a "verdade" e começa a "mentira". Como se o filme, na sua aparência quase documental, fosse uma fábula sobre os enigmas do comportamento humano: ninguém sabe quem é o outro porque, em boa verdade, cada um já é o outro de si mesmo.
Kiarostami prossegue, assim, um cinema de delicada filigrana (e irresistível humor) em que as imagens e os sons são desafiados a esgotar a sua significação tradicional. No limite, "Like Someone in Love" é uma farsa sobre os equívocos dos laços amorosos ou, se quisermos recorrer à lição psicanalítica, sobre a relação sexual como algo que não existe...
Para prolongar o seu universo de ironia e gravidade, ligeireza narrativa e monumentalidade formal, Kiarostami foi, desta vez, ao Japão. Dir-se-ia que, depois de "Cópia Certificada" (2010), rodado em Itália, ele se dá bem com cenários estrangeiros. Em última análise, as teias humanas destes filmes são prolongamentos dos labirintos de relações que, desde "Close-up" (1990) até "O Vento Levar-nos-á" (1999), ele já tinha filmado no Irão.
E o teatro continua
Luis Miguel Oliveira, Público de 26 de Setembro de 2013
Foi rodado no Japão mas com "Like Someone in Love" estamos próximos do mais puro e mais “iraniano” Kiarostami.
Depois da Toscana, onde filmou "Cópia Certificada", Abbas Kiarostami segue para o Japão, território de "Like Someone in Love". Mas ao contrário de "Cópia Certificada", onde não era nada indiferente o cenário circundante, integrado no filme também como reflexão sobre a arte, a cultura e a história italianas, em "Like Someone in Love" o Japão é muito mais apenas um cenário. Quer dizer: o filme está lá dentro, dos bares, das casas, das ruas, sem uma nota em falso, e até há uma pequena prelecção sobre uma pintura japonesa do século XIX, mas é difícil pensar que “reflectir” sobre o Japão, ou sobre a sua condição de cineasta estrangeiro a filmar no Japão, tenha sido uma preocupação de Kiarostami. Nem mesmo Ozu, que é uma das grandes referências de Kiarostami (até já lhe dedicou um filme: Five - Dedicated to Ozu), vem muito ao caso, e também é dificil pensar nalgum momento que soe a “homenagem” ao cineasta japonês: nem sombra de algo parecido com um “plano Ozu”.
Como Kiarostami diz, de resto, o filme nem foi especificamente pensado para ser feito no Japão. Concentra-se nas personagens, e no espantoso grupo de actores que as interpreta, é provavelmente o filme de Kiarostami mais character-driven, mais guiado, em última análise, pelo desenho das personagens e das relações entre elas. Com um pudor e uma subtileza enormes: nunca se diz claramente, por exemplo, que a protagonista feminina é universitária de dia e prostituta à noite, e no entanto isso fica plenamente sugerido, por meias palavras, ao fim de poucos minutos, naquela sequência assombrosa de campos/contracampos, cheios de movimento interno, que abre o filme dentro dum bar de Tóquio. Assim como nunca saberemos exactamente - as elipses de Kiarostami são sempre magistrais - o que se passou de facto na noite que a rapariga passou em casa do professor que recrutou os seus serviços. Que é de resto, toda ela, uma sequência excepcional, completamente “centrípeta”, sempre a fugir para o lado do que naquela situação seria essencial: as interrupções (os telefonemas que o professor recebe, de alguém a pedir-lhe uma tradução), as derivas (a tal conversa sobre a pintura, pendurada na parede), o vinho e a sopa de camarão com que o professor tenta arrancar a rapariga ao torpor sonolento em que cai (até se transformar ela própria, por obra e graça de um enquadramento de génio, numa “pintura na parede”, a sua imagem esfumada reflectido num espelho ao canto do plano).
Essa sequência, de resto, dá sentido ao título do filme. É nela que se ouve a canção homónima de Ella Fitzgerald, tocada na aparelhagem do professor, e é durante ela que as personagens mais supostas são comportarem-se “como alguém apaixonado”. A rapariga, por profissão, o professor, por ocasião. Entra em cena, portanto, uma espécie de teatro, em que toda a gente representa um papel perante os outros, que não mais largará o filme. Quando saem de manhã, e depois de encontrarem o namorado da rapariga, o professor e ela passam a apresentar-se “como avô e neta”, mascarada que será mantida perante todos os outros secundários, incluindo a espantosa personagem da vizinha, que começa por ser só uma voz e depois tem direito a um plano inteiro só para si Incidentalmente, essa personagem e esse plano são o que desperta mais “memórias” do cinema japonês, mas a “representação” do velhote e da rapariga, sempre sobre ameaça de “desmontagem”, fazem pensar em algo mais inesperado, uma espécie de pequeno Vertigo, com um homem mais velho a passear uma mulher mais nova que ele, de certo modo, “inventou”. Os planos com o automóvel, os reflexos no vidro, ora o céu e as nuvens ora as construções arquitectónicas dos arredores de Tóquio, talvez não sejam, nesse sentido, puramente inocentes. O automóvel, de resto, continua a ser o “dispositivo” preferido de Kiarostami, e é dentro de automóveis que se passa boa parte do filme - incluindo, ainda não tínhamos referido, um magnífico travelling por Tóquio by night, na mais dorida sequência do filme, aquela em que a rapariga, em trânsito para o “encontro” em casa do professor, ouve, uma a uma, as mensagens telefónicas que a avó, que passou o dia na estação de comboios à espera dela, lhe foi deixando (e essa avó, que é só uma voz no telemóvel e depois uma silhueta entrevista numa praça de Tóquio, é outra personagem extraordinária, possível rima para a da vizinha do professor no modo como lutam para sairem do fora de campo a que as outras personagens as remetem).
Todas as mentiras, fakes e mistérios que pontuam o filme ficarão em suspenso. Naquele final inacreditavelmente violento, cheio de ruidos e interrupções (as campainhas, os telefones), e outra personagem (o namorado) revoltada também com o “fora de campo” a que o par central a condena. O que é que ali se passa verdadeiramente, o que é que se passou depois de Kiarostami ter cortado para o genérico de fecho sem mais delongas, permanece um enigma, fabricado à custa de uma secura inexorável. Também aí estamos próximos do mais puro e mais “iraniano” Kiarostami.
