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Numa pequena ilha vulcânica, Nana cresce marcada pela ausência de Nia, a mãe, que a abandonou ao nascer. Enquanto todos à sua volta sonham em partir para outros lugares, Nana encontra ali o seu próprio mundo mágico, onde os sonhos e a realidade se entrelaçam. Anos mais tarde, Nia regressa inesperadamente, abrindo feridas que julgava saradas. Co-produção entre Cabo Verde, Portugal e Suíça, este drama tem assinatura da portuguesa de ascendência cabo- verdiana Denise Fernandes e conta com Alice Da Luz, Yuta Nakano, Nha Nha Rodrigues, Sanaya Andrade e Dailma Mendes nos papéis principais. Rodado na ilha do Fogo, em Cabo Verde, “Hanami” foi distinguido com o Prémio Revelação no Festival de Locarno (Suíça) e com o Prémio Ingmar Bergman no Festival de Cinema de Gotemburgo.
Nota de Intenções da realizadora Quando eu era criança, reparei que Cabo Verde, por ser muito pequeno, era muitas vezes omitido dos mapas e dos globos. Crescendo na Europa, tinha a sensação de vir de um país que não existia fora das paredes da minha casa. Para o tornar visível, fiz de Cabo Verde e dos seus habitantes o tema central da minha primeira longa-metragem. Hanami nasce de elementos materiais e imateriais, histórias e experiências, que fazem parte da vida de muitos cabo-verdianos. Muitas vezes, os que partem sonham em voltar e os que ficam sonham em partir. A ligação do Hanami com o Japão pretende ser significativa, mas também lúdica. Enquanto o mundo em que vivemos é definido por fronteiras, neste filme elas são etéreas.
Hanami, de Denise Fernandes: o milagre da escassez multiplicada em abundância Entrevista a Denise Fernandes por Vasco Câmara, Publico “Venham comigo, vou mostrar-vos o que é possível acontecer.” Eis Cabo Verde, terra abundante de ficção. O belo Hanami de Denise Fernandes chega às salas esta semana. Falámos com ela.
"Um filme cabo-verdiano..." é ainda uma definição em desenvolvimento. "É uma frase que ainda não tem uma definição clara." Denise Fernandes, cineasta, argumentista, 35 anos, autora de uma primeira longa-metragem que lhe valeu ser considerada pelo Festival Locarno a melhor cineasta emergente — Hanami, o belo Hanami, que chega esta quinta-feira às salas, poucos dias depois de ter ganho o concurso nacional do IndieLisboa —, reconhece-se nessa ideia de uma identidade em construção.
Isto é: uma definição nunca perde a sua porosidade.
Denise, que é filha de pais cabo-verdianos, nascida em Lisboa, aprendeu a saber de si própria com o tempo. Sem saber que o estava a fazer. "Sim, meio sem o saber, foi uma ligação impossível para mim de cortar. Porque cresci num contexto sem Cabo Verde, numa cidade sem comunidade cabo-verdiana" — Locarno, Suíça, precisamente a cidade que lhe deu o prémio. Durante os primeiros cinco anos de vida, observou tudo e juntou tudo: Cabo Verde, a emigração da diáspora, o falar italiano — Locarno, mas margens do lago Maggiore, fica no cantão italiano da Suíça —, o viver num país que tem todas as coisas. "Tudo isso faz parte de mim. Cresci com isso. Cresci com referências de cultura italiana." Hanami exibe fantasia, melancolia e o milagre da escassez de meios multiplicada pela abundância de imaginário.
"Os únicos cabo-verdianos que conhecia eram os meus pais, os meus tios e tias. Só quando era adolescente é que fui a Cabo Verde e comecei a ver pessoas de Cabo Verde. Mas sempre tive uma grande consciência, embora não achasse isso relevante, que os meus pais tinham vindo de outro lugar. Só ouvia crioulo dentro de casa, nunca fora de casa. Mas ouvia música cabo- verdiana. Muitas coisas de Hanami vêm mais da música, da maneira de contar nas canções e não só da melodia, do que do cinema. Há uma força identitária na música muito forte, quer os autores sejam de Cabo Verde ou da diáspora. Crescer a ouvir essas músicas foi uma forma de me manter ligada. Até que comecei a filmar. Fiz as minhas curtas e tive depois o grande desejo de fazer a primeira longa.”
Antes de Hanami, fez uma curta em Lisboa, Nha Mila (2020), que “fala de uma mulher que, ao regressar a Cabo Verde, faz uma escala" na capital portuguesa e no aeroporto é reconhecida por uma mulher da limpeza: tinham-se conhecido na infância. "Essa curta foi a minha própria escala antes de fazer Hanami. Então, diria que, no início, eu não pensava que fosse suficientemente cabo-verdiana para ser uma autora, ter uma voz ou uma visão. Foi algo que tive de construir para mim própria."
Sem censura e sem limites
Hanami é uma palavra japonesa para dizer o acto tradicional de contemplar flores e árvores em flor. Transformou-se, nos tempos modernos, em festas ao ar livre em que chovem pétalas. É o que explica Kenjiro Mizoguchi, olhem só este nome!, analista da lava dos vulcões que mais parece o homem prateado que veio do espaço, como numa canção de David Bowie, e aterrou no filme, na Ilha do Fogo — o nome desta figura, que podia então ter vindo do glam musical, tem ressonâncias cinéfilas, mas Denise revela a verdade: foi escolhido "simplesmente a ver listas de nomes". "Gosto muito da palavra Kenjiro, que me explicaram que na cultura japonesa identifica o 'segundo filho', o que nada tem que ver com o filme, e depois escolhi o apelido. Foi quase como dar nome a um filho."
Mas há uma palavra para definir Hanami que propomos: resgate. Sobre a lava do vulcão, na paisagem árida, seca, agreste, como um telão à espera de ser preenchido e onde se dá a erupção do maravilhoso — este motivo, o da superfície à espera de ser vandalizada pela fantasia, intui-se em vários planos e é mesmo explicitado em alguns —, Denise Fernandes projecta a sua versão de Cabo Verde. Essa tal construção em movimento, incerta da sua definição mas segura do que sente — e por isso decididamente política —, alberga um património de sítios e de culturas diferentes, livros infantis ou o cinema da preferência de Denise, que é o do neo-realismo italiano e, ela baixa a voz para revelar um segredo, não o da nouvelle vague.
"Como me sinto muito, muito cabo-verdiana e ao mesmo tempo muito diáspora, cresci com preferências culturais muito diferentes. Está tudo dentro de Hanami, sem censura e sem limites. Cresci com muita literatura infantil incrível quando era criança. Bastante literatura internacional, mas muita literatura italiana. Tive o Pinóquio, por exemplo [As Aventuras de Pinóquio, de Carlo Collodi]. Acho que essas histórias ainda têm hoje um peso grande em mim. Acho também que toda a liberdade que eu queria ter para escrever vem dos livros que li, mesmo as histórias pequeninas. Isto soa muito intelectual, mas eu estou a falar de contos muito simples. Pus isso numa curta que fiz em Cuba, Pan sin Mermelada [2012], está aí muito presente."
Continua: "Um dos primeiros sinais na vida que tive de que talvez um dia iria ser realizadora foi quando aprendi a ler. Lia as fábulas de Esopo [620 a.C-564 a.C]. Lembro-me de ter uma ligação muito magnética com essas pequenas histórias. Hoje, como pessoa que quer contar histórias, tenho a minha identidade, mas as histórias que absorvi nunca vão sair de mim. Como realizadora quero fazer sentir às pessoas aquilo que senti quando li."
E é assim que Hanami, com o seu pequeno fogo-de-artifício, a forma como a fantasia penetra num imaginário que se solidificou associado à decomposição, à ruína, à escassez, ao abandono, à morte, compõe pequenos quadros de uma graça que não pode deixar de ser subversiva. Essa ruptura pode ser grácil, subtil mesmo, mas será tão mais verdadeira quanto for desejada ou imaginada. Veja-se a sequência em que a personagem do tio "faz" a sobremesa com todos os ingredientes que faltam: mascarpone, ovos, palitos la reine, vinho doce italiano "ka tem", "não há". Esse bolo existirá mesmo, o que a sequência mostra não é aquilo que ela deseja. Ou como alguém filosofa: "Não é bom viver de olhos fechados."
"A Ilha do Fogo foi a tela do filme. Ou seja, não existe essa história sem esta ilha. É impossível separar a natureza da ilha e a natureza das pessoas e também o que acontece na história. Tentei trabalhar o mais possível separada de qualquer tipo de referência a outros filmes." E o cinema de Pedro Costa, Cabo Verde erigido como fantasma na diáspora, amplificado e distorcido no bairro das Fontainhas? "É um cinema que respeito muito. Tem a sua verdade. A sua linguagem é muito sedutora e pode ser inspiradora. Mas mais do que isto não me pronuncio. Enquanto cabo- verdiana, espero que haja uma mudança em quem conta o quê. Tenho um sonho: que as pessoas que definem os imaginários sejam os cabo-verdianos ou que tenham uma ligação muito directa a Cabo Verde."
"Não é consciente, é simplesmente a minha forma de trabalhar", insiste Denise sobre o seu afastamento das referências de filmes. "Afinal, a história do Hanami surgiu-me de forma bastante natural": Nana, uma menina, deixada pela mãe, Nia, que parte da ilha vulcânica como fazem todos os que a rodeiam, aprenderá a querer ficar, tal como as ervas teimarão sempre em crescer no vulcão. "Dentro dessas histórias estão muitos dos meus desejos. Se, por um lado, o imaginário sobre Cabo Verde tem insistido na dureza, o contrário, a extrema felicidade, seria também uma visão simplista." Exótica, turística? "Sim, não seria totalmente séria."
"Mas sendo verdade que na maioria das vezes o emigrante cabo-verdiano não tem escolha, entre ficar ou sair da ilha, e que as circunstâncias é que escolhem por ele, eu quis dar a Nana a possibilidade de escolher. É algo de idealizado, na verdade, mas é por isso também que fazemos filmes. E era importante quebrar a narrativa segundo a qual as pessoas quando emigram vão à procura de uma vida melhor. Não; muitos deixam a vida melhor. Cada um tem a sua própria história, claramente. Mas eu queria contar a de uma menina que aparentemente perdeu tudo porque não tem pais, mas ao mesmo tempo tem uma ilha inteira a cuidar dela. Tem a sua própria comunidade, as suas próprias plantas que curam, há sempre algo a protegê-la. Eu gostava que a premissa do filme fosse uma menina que cresce com tudo o que precisa, apesar das rupturas da vida e apesar dos medos. Cabo Verde como uma terra fértil. Queria muito dar mesmo uma boa vida à minha protagonista. Quis criar uma situação perfeita, que é a situação de poder escolher e que é uma situação que na maioria das vezes não existe. A narrativa da escassez, de o emigrante sair de um lugar de escassez, na maioria das vezes é contada não pelo emigrante mas por quem o vê de fora. Esse emigrante é olhado como aquele que vai à procura dos recursos para os usar. Nunca é visto como alguém que perde o próprio país, o que a própria comunidade pode oferecer."
— Cabo Verde é apenas um ponto de passagem na sua obra de realizadora de filmes?
— Acho que não, já não há ponto de retorno.
— Diria que o seu cinema é realista?
— Acho que não. Estou a tentar analisar-me... Na verdade, o que me motiva é pôr as personagens em situações extraordinárias. Sem isso não faria cinema porque não teria a motivação para trabalhar. A ficção é poder. Fazer sentir o que quero, contar o que eu quero, como eu quero e quando eu quero, e nisso ser acompanhada pelas pessoas: “Venham comigo. Vou-vos mostrar o que é possível acontecer.”