Siga-nos no Facebook / Twitter!
PROGRAMAÇÃO
Ciclo Werner Herzog Até ao Fim do Mundo
Entrada livre
PROGRAMAÇÃO (cont.)
Sala de exibições
Pequeno auditório
Casa das Artes de V. N. de Famalicão
Parque de Sinçães - V. N. de Famalicão
HABEMUS PAPAM - TEMOS PAPA de Nanni MORETTI
Download do Dossier
Sinopse
Depois da morte do Papa, os cardeais de todo o mundo reúnem-se para, em clausura, eleger o seu sucessor (Michel Piccoli). Enquanto isso, na Praça de São Pedro, milhares de pessoas aguardam ansiosamente a primeira aparição do novo Sumo Pontífice. Porém, esmagado com o peso da responsabilidade, o herdeiro de S. Pedro entra em pânico, recusando-se a aparecer em público. Depois de tudo tentarem, os seus conselheiros decidem chamar um dos mais reconhecidos psicanalista do país (Nanni Moretti) para o ajudar a ultrapassar a crise. Mas nada parece surtir efeito. E, depois de três dias com o mundo suspenso, vagueando solitariamente pelas ruas de Roma, ele tem de encontrar a coragem necessária para tomar a única decisão possível...
Nota do Realizador
Uma comédia dramática, realizada por Nanni Moretti ("Querido Diário", "O Quarto do Filho"), sobre a dúvida, a angústia e a vulnerabilidade do ser humano.
Ficha Técnica
Título original:Habemus Papam (Itália / França, 2011, 105 min.)
Realização:Nanni Moretti
Interpretação: Michel Piccoli, Nanni Moretti, Renato Scarpa, Jerzy Stuhr
Argumento: Nanni Moretti, Francesco Piccolo, Federica Pontremoli
Som:Alessandro Zanon
Montagem: Esmeralda Calabria
Música:Franco Piersanti
Fotografia:Alessandro Pesci
Produção:Nanni Moretti e Domenico Procacci
Distribuição: Midas Filmes
Estreia: 24 de Novembro de 2011
Classificação: M/12
Página Oficial:
http://www.habemuspapam.it/
Críticas
O Papa não vai para o paraíso
Vasco Câmara, Público de 25 de Novembro de 2011
“Habemus Papam” é a forma (até agora) mais feliz de Moretti aprender a existir com os outros
Houve um momento - toda uma primeira parte da obra “morettiana”, via “persona” Michele Appicella ou através de outra construção dele próprio, Nanni - em que a energia de um filme era um monopólio detido apenas por alguns dos planos: os grandes-planos sobre Moretti. Era(m) ele(s) que a continha(m) e que a libertava(m). Os filmes, por isso, tinham de regressar sempre a ele. Que, intolerante, controlava os outros. Os filmes existiam numa espécie de estado policial. Vêem-se, ainda, em estado de tensão.
É claro que havia nisto, nesta aparente incapacidade de permitir que os outros existissem, um jogo auto-irónico, de massacre com a sua própria geração, com um passado político rasurado pela amnésia (é em “Bianca”, filme de 1984, que a personagem Michele Apicella, tornado “serial- killer” a golpes de misericórdia porque não suporta a infelicidade dos outros, conta que houve um Verão em que veio a Portugal para conhecer Otelo Saraiva de Carvalho, mas já não se lembra...).
Houve a doença de Moretti, o fluxo liberatório diarístico (“Querido Diário” e “Abril”), mas foi ao filme pelo luto do filho, melodrama de onde tinha sido excluída qualquer auto-ironia, que foi permitido fazer figura de intruso ou de página que se virava. Depois dele, e cinco anos depois, Nanni enchia “O Caimão” de géneros e registos (a comédia sentimental, o musical, o “filme dentro do filme”) parecendo procurar novo centro de gravidade. Como que testando novas figurações mas receando pelas perdas, acumulava hipóteses e fontes de energia, de tal forma que a coisa cedia e o “golpe de teatro” final - o próprio Nanni como Silvio Berlusconi - era estocada gongórica.
“Habemus Papam” é a forma (até agora) mais equilibrada de Nanni aprender a existir com os outros. Distribuindo-se pelos outros. É o filme em que um Papa (Michel Piccoli) eleito em conclave não consegue abeirar-se sequer da varanda da Basílica de São Pedro para saudar os que têm fé. Foge, deambulando anonimamente por Roma.
Não é inédito: o padre Nanni dava por encerrado o ritual, em “A Missa Acabou” (1985), partindo para a Terra do Fogo por concluir que ninguém precisava dele. Mas esse padre, de ambições ainda totalitárias, podia ser outra coisa qualquer. E o filme nem era sobre a Igreja Católica. Era a crónica de uma geração que se esqueceu. Já Piccoli, como Cardeal Melville, é um Papa em perda, acometido da angústia paralisante de que o seu sacerdócio para nada serve. As luzes apagaram-se, a realidade já está ao longe, os cardeais encerrados num conto de fadas. Às escuras, como os anões sem Branca de Neve e sem Rainha Má - já nem há inferno, só há deserto.
Um psicanalista (Moretti) é chamado para tratar deste pânico papal. A princípio causando dúvidas no Vaticano a aproximação do inconsciente à fé, as duas visões acabam por ficar reféns do mesmo jogo - o psicanalista fica condenado a organizar um torneio ecuménico de voleibol com os assustados e suspensos cardeais. O Vaticano como cenário para um burlesco emudecido - há diálogos, mas a coreografia entre planos e cenas podia prescindir deles, pelo desejo de silêncio de “Habemus Papam”. A ele, ao Papa de Piccoli, a liberdade com a dúvida gloriosa. Neste filme de um ateu que foi criado por católicos, a psicanálise (Moretti e a tentação ditatorial da sua “persona”) é mais maltratada do que a Igreja. O realizador não se deixa prender pela episódica “realidade”, suspende-a - passa ao lado de denúncia de escândalos de pedofilia ou de polvos financeiros, por exemplo.
Enche-se de uma ternura humanista que em momentos temos a tentação de chamar “rosselliniana” (por causa de “Francesco, Giullare di Dio”). Nesse equilíbrio com os outros, Moretti permite que com Piccoli entre Manoel de Oliveira para o seu filme. Quando Piccoli, respondendo a uma psicanalista, diz que foi em tempos actor, tanto está a falar dos rituais de teatralidade no Vaticano como do filme de Oliveira em que ele, como actor, desistia e ia para casa. “Je Rentre à La Maison” (2001) não está aqui, contudo, como citação cinéfila, coisa estranha em Moretti. Está como mais mundo. Como uma contiguidade de que o cineasta hoje precisa. A dúvida liberta.