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PROGRAMAÇÃO: NOVEMBRO 2013
Sala de exibições
Pequeno auditório
Casa das Artes de V. N. de Famalicão
Parque de Sinçães - V. N. de Famalicão

Prólogo
Fade in
1. Exterior, mundo mudo
Um vagabundo mítico, feito de genica, nasce em comédia no ano 14 do último século
começado por mil.
Dissolve in
Legenda
99 anos depois
2. Interior, sala de projecções
Reputado cineclube, de Joane, encomenda som para filme. É convidada banda. Câmara
aproxima-se, outras formas aparecem.
Dissolve out
Dissolve in
3. Exterior, uma casa, das artes de Famalicão
Atravessamos jardim geométrico, cheio de ervas, crianças lutam. Câmara desloca-se, no ecrã
estão palavras: A 30 de Novembro, 22 horas. Ouvimos música arrebatadora, título aparece:
bueno.sair.es em O Garoto de Chaplin.
Fade in
4. Interior de grande auditório
Enorme, está escuro, silhueta é projectada em ecrã. Baixos reflectidos por oposição à luz.
Narrador
Primeira longa de Chaplin, turbulência emocional. Do apressado casamento com a
jovem Mildred resulta nado, morto em 3 dias. De perda resulta filme. Respeitando pudor,
bueno.sair.es constrói narrativa musical, paralela. Deixa que viva personagem querida,
transformando-se. Afinal, cinema é arte obscena, e amor. Nunca, desde que o mundo é
mundo, um mito recebera adesão tão universal, escreveu Bazin. Segredo desvendado: o
vagabundo, de fraque ridículo, bigodinho bengala e chapéu, será pai de criança abandonada. A
banda, metamorfose ao avesso.
Fade out
Sinopse
Alemanha, Maio de 1945. Com a morte de Hitler e a invasão do exército aliado, a queda
do III Reich é iminente. Lore (Saskia Rosendahl) é uma rapariga alemã que cresceu feliz, segundo
os princípios nazis. Quando os progenitores são presos, ela e os irmãos são obrigados a
atravessar um país devastado pela guerra, em direcção à casa da avó materna. O seu destino vai
cruzar-se com o de Thomas (Kai-Peter Malina), um jovem judeu sobrevivente a Auschwitz, que a
acompanhará durante o percurso. Assim, devido a uma súbita mudança de circunstâncias, Lore
vai ter de aprender a confiar em alguém que toda a vida foi ensinada a desprezar. Pelo caminho,
ao mesmo tempo que vai descobrindo a verdade sobre a família e o regime onde foi educada, vai
também aprender os segredos do amor e do desejo.
Com argumento e realização de Cate Shortland (“Salto Mortal”), “Lore” é baseado na obra “The Dark Room”, de Rachel Seiffert.
Ficha Técnica
Título original: Lore (Grã-Bretanha / Alemanha /Austrália, 2012, 109 min)
Realização: Cate Shortland
Interpretação: Saskia Rosendahl, Nele Trebs, Ursina Lardi
Argumento: Cate Shortland, Robin Mukherjee
Produção: Benny Drechsel, Karsten Stöter, Liz Watts, Paul Welsh
Musica: Max Richter
Fotografia: Adam Arkapaw
Montagem: Veronika Jenet
Distribuição: Alambique
Estreia: 20 de Junho de 2013
Classificação: M/12
Críticas
A guerra e o seu realismo
João Lopes, Cinemax
Eis um dos grandes acontecimentos do momento (e, por certo, de todo o ano cinematográfico): "Lore" é uma espantosa odisseia que revisita a história de uma família alemã, em 1945, quando a derrota de Hitler já é irreversível.
Qual é o grande filme da temporada dos “blockbusters”?... Há uma resposta muito directa e esclarecedora: não é nenhum “blockbuster”. Mas convém acrescentar que chegou às salas portuguesas um filme assombroso, desses que correm o risco de passar despercebidos no meio da confusão (entenda-se: das ruidosas campanhas para filmes mais ou menos ruidosos). Chama- se “Lore” e propõe um retrato da Segunda Guerra Mundial como há muito tempo não víamos.
Lore (interpretada pela admirável Saskia Rosendahl) é a filha mais velha de um casal alemão, sendo o pai oficial do exército nazi. Quando a derrocada de Hitler se torna irreversível, Lore transfigura-se numa personagem genuinamente trágica: perante a ausência do pai e da mãe, tem de tomar conta dos quatro irmãos e, mais do que isso, conduzi-los numa viagem de algumas centenas de quilómetros até à casa de uma avó...
Raras vezes se terá visto assim o outro lado da guerra. Entenda-se: o lado dos alemães, vencidos, evoluindo num país devastado, divididos entre a derrocada do “sonho” hitleriano de grandeza e a revelação dos horrores do Holocausto. Acima de tudo, acedemos ao universo em ruínas de Lore, não através de um qualquer maneirismo moral, antes deparando com a crueza de um tempo em que a ilusão colectiva de felicidade se sobrepôs, até certo ponto, à brutalidade indizível da guerra.
Segundo rezam as crónicas, o envolvimento da realizadora, Cate Shortland, uma australiana, decorre, em parte, do seu casamento com um cidadão alemão. Como referiu em várias entrevistas, Shortland sentiu a necessidade de filmar esta conjuntura dramática de 1945 resistindo a muitos clichés acumulados pela tradição (europeia e americana) do “filme de guerra”.
Nesta perspectiva, pode dizer-se que, na sua atenção aos corpos e às paisagens, “Lore” constitui um exemplo admirável de uma certa tendência realista que tem circulado por algum do mais interessante cinema europeu dos últimos anos. Além do mais, podemos aproximá-lo das memórias do prodigioso “Berlin Alexanderplatz” (1982), de Rainer Werner Fassbinder – digamos que a ascensão do nazismo, encenada por Fassbinder na sua evocação do final da década de 20, se transfigura agora num cenário apocalíptico em que o valor primordial da dignidade humana tenta recomeçar do zero.
Contos da floresta negra
Jorge Mourinha, Publico de 20 de Junho de 2013
A australiana Cate Shortland assina uma das surpresas do ano: um espantoso filme sobre a adolescência em tempo de guerra, através dos olhos de uma filha de um oficial nazi
A melhor prova de que o segundo filme da australiana Cate Shortland é uma das grandes surpresas deste ano de cinema é o modo como a sua ambiguidade cuidadosamente calibrada continua a ecoar muito depois da sua visão. Essencialmente a história de uma adolescente que a experiência da guerra força a crescer demasiado depressa, Lore é uma espécie de conto de fadas distorcido onde o Capuchinho Vermelho atravessa um país em convulsões para chegar a casa da avózinha, só que este Capuchinho tem muito de lobo mau e que a personagem que achávamos ser o lobo mau pode afinal ser o caçador protector. Erguida a chefe da família com o desaparecimento dos pais, a adolescente Lore tem de guiar os quatro irmãos e irmãs mais novos pelo meio da guerra até à segurança, encontrando pelo caminho um jovem mais velho que assume espontaneamente o papel de protector masculino. O seu percurso pelas estradas enlameadas e pelas aldeias empobrecidas de um país derrotado é uma entrada brutal na idade adulta e um adeus definitivo a uma inocência que, tarde demais, Lore compreenderá ser irrecuperável (simbolizada no veado de porcelana que transporta como símbolo da salvação possível).
Simplesmente, estamos na Alemanha vencida da II Guerra Mundial, logo após o suicídio de Hitler. Lore é a filha de um oficial das SS, educada nas Juventudes Hitlerianas. Thomas, o jovem que assume a protecção dos cinco irmãos, viaja com documentos de judeu. E a viagem de Lore em direcção à segurança (adaptada de uma novela de Rachel Seiffert) é também a descoberta do mundo fora da “bolha” do Reich de Mil Anos, um lento abrir os olhos para uma realidade não mediada pelo filtro de uma educação ideológica. Cada passo deste percurso iniciático confronta-a com as consequências “no mundo real” da ideologia em que foi criada, com a necessidade de, pela primeira vez, escolher o seu lado, tomar o seu partido: ser Lore, a adolescente em crescimento, ou Hannelore, a filha do nazi.
Ao forçar-nos a acompanhar o ponto de vista de Lore nesta “via sacra” da Floresta Negra ao Mar Báltico, Cate Shortland propõe uma leitura, de grande sensibilidade mas também calculadamente (talvez calculistamente?) desafiadora, sobre as questões fulcrais da passagem à idade adulta. Uma leitura que se abre à experiência humana sem maniqueísmos fáceis nem soluções de compromisso, que se ancora por inteiro numa ideia de limiar, fronteira entre dois estados, como se o solo estivesse em constante e imprevisível movimento debaixo dos pés de Lore. A câmara móvel de Adam Arkapaw e a atenção de Shortland aos mínimos detalhes dos seus jovens actores (e Saskia Rosendahl é extraordinária no papel principal) transformam Lore numa inversão de Alice no País das Maravilhas e partilham o mesmo modo lateral e distante de olhar para a experiência da guerra de filmes como Os Fugitivos de André Téchiné ou Esperança e Glória de John Boorman. Nunca Salto Mortal, a estreia da realizadora australiana, faria esperar um objecto tão notável como Lore: um dos melhores filmes que estrearam e vão estrear este ano em Portugal.
