CINECLUBE DE JOANE

Março 2025
Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão

Programa mensal

de Brady Corbet
6 MAR 21h45
de Manuela Viegas, Regina Pessoa
13 MAR 21h45
de Jonas Trueba
20 MAR 21h45
de Maurice Pialat
27 MAR 21h45

As sessões realizam-se no Pequeno auditório da Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão. Os bilhetes são disponibilizados no próprio dia, 30 minutos antes do início das mesmas.

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6 21h45

O BRUTALISTA Brady Corbet

O arquiteto László Toth e a sua mulher Erzsébet fogem da Europa para a América do pós-guerra. Suportam a pobreza e a indignidade, mas o génio do arquiteto acaba por ser reconhecido pelo industrial Harrison Lee Van Buren que o encarrega de projetar um monumento modernista. Será o projeto mais ambicioso da carreira de Toth que terá de equilibrar a sua visão intransigente e a influência do patrono. Filme da seleção oficial do Festival de Veneza, em competição. Vencedor do Leão de Prata para a melhor realização.

Título Original: The Brutalist (EUA/Grã-Bretanha/Hungria, 2024, 210 min)
Realização: Brady Corbet
Interpretação: Adrien Brody, Felicity Jones, Guy Pearce, Stacy Martin
Argumento: Brady Corbet, Mona Fastvold
Fotografia: Lol Crawley
Montagem: Dávid Jancsó
Estreia: 23 de Janeiro de 2025
Distribuição: Cinemundo
Classificação: M/12
A América invadindo as zonas mais íntimas dos indivíduos — entrevista com o realizador de O Brutalista Entrevista a Brady Corbet por Vasco Câmara, Publico de 21 de Janeiro de 2025 A experiência do capitalismo na odisseia de um arquitecto em fuga do nazismo e que desembarca na Pensilvânia. Brady Corbet banha-se nas águas da arte, da cultura e da política, banha-se na História.
A Brady Corbet não lhe escapa a ironia. Contudo, ela foi involuntária. Gabávamos-lhe o sentido de síntese de O Brutalista. "E diz isso a propósito de um filme de três horas e meia...?" (risos). Ultrapassámos o impasse, que não o era, e atirámo-nos à prova, a preciosa sequência contígua à abertura em que a câmara segue um vulto, presença que atravessa a escuridão como num labirinto, como se calcorreasse a História e o Inferno, para finalmente encontrar a luz do outro lado. Aí o indivíduo descobre-se sob os auspícios da Estátua da Liberdade em Nova Iorque. Nessa visão a senhora com a tocha numa mão e a lei na outra não só está descentrada como invertida. É assim que O Brutalista, filme que se estreia esta semana em Portugal, vê o sonho americano.
Estávamos num barco a atravessar o Atlântico em demanda da América. A personagem é László Tóth, arquitecto húngaro, judeu, aluno da Bauhaus, em fuga do regime nazi, aspirante a fazer parte da nação americana.
A câmara seguira-o tal como o húngaro László Nemes caminhara por Auschwitz em O Filho de Saul. Nesse plano-sequência do início da terceira longa de Corbet, depois de A Infância de um Líder (2015) e de Vox Lux (2018), a experiência da História e da aventura migrante galga anos e o plano contém não só o passado de uma geração que chegou a Ellis Island como adianta-lhe o futuro mostrando a senhora Liberdade com a cabeça no lugar dos pés. Descreve tanto quanto comenta. E o sonho americano, vislumbrado a partir daqui, pode ter o preço de um pesadelo, de um embate. O Brutalista é menos sobre arquitectura do que sobre o choque de quem chegou à América.
Aquela é já uma sequência típica do cinema do ex-actor Corbet (filmes de Gregg Araki, Lars von Trier, Michael Haneke, Sean Durkin ou Antonio Campos) e com ela começa logo a ficar claro que, por omnipresentes que sejam os estímulos visuais e sonoros que atordoem O Brutalista, desta vez eles estimulam de facto o espectador em vez de permanecerem contidos só na zona erógena do filme; em vez de serem apenas o filme a gostar de si próprio.
"Foi uma maneira de dar, de forma económica, muita informação." Brady Corbet confirma que gesticular de forma épica, até mesmo fazer "o grande filme americano", algo que está no seu gesto e no de alguém diferente dele, mas que agora tem um concorrente, o Paul Thomas Anderson de Haverá Sangue (2007), não prescinde da gramática e do sentido de economia do cinema clássico. Da exposição de supostas fraquezas retira-se o vigor, humaniza-se a construção da epopeia.
"Nunca quis fazer um filme de guerra nem um filme sobre o Holocausto. Quis fazer um filme sobre o pós-guerra e seria fascinante se as primeiras imagens evocassem o Holocausto", diz o realizador, uma das visitas do Leffest - Lisboa Film Festival, onde O Brutalista foi escolhido, com O Quarto ao Lado, de Pedro Almodóvar, para filme de abertura.
"Na verdade, as primeiras imagens são com a sobrinha do protagonista e ela está num campo para deslocados. É livre, mas não está livre. Também a personagem interpretada por Adrien Brody, num barco a caminho de Nova Iorque, sendo um homem livre, não é livre. Quando chega, junta-se a todos os outros imigrantes com números que os identificam na roupa. Sempre achei essas imagens, que se conhecem de Ellis Island, perturbantes: no lugar da tatuagem de Auschwitz, há um número de série na América. Daí a frase de Goethe, 'None are more hopelessly enslaved than those who falsely believe they are free' [ninguém está mais irremediavelmente escravizado do que aqueles que falsamente acreditam que são livres], que resume os cinco ou dez minutos iniciais". E a posição de Brady Corbet perante os cânticos sobre a terra da Grande Promessa.

Estética e Ética


As escolhas do elenco também ajudam à economia narrativa. Adrien Brody foi O Pianista (2002) para Roman Polanski; o mundo de onde vem László Tóth fica assim contado, não é preciso mais informação. Corbet e Brody falaram disso... depois do filme rodado. "Ele contou-me que algumas das conversas que teve com sobreviventes dos campos de concentração na rodagem de O Pianista influenciaram o seu trabalho em O Brutalista. Mas foi muito fácil a partir do momento em que escolhi Adrien: a mãe é uma refugiada húngara; ele tem a origem cultural certa, a idade certa; sobretudo, gostou do argumento. É um tipo inteligente e não acontece sempre trabalhar com alguém que percebe exactamente o que queremos. Porque eu não podia fazer um filme apesar dele. Eu tinha de fazer um filme com ele. Ele está em quase todos os planos."
Há outro ponto que, parecendo mera contingência — um orçamento de menos de dez milhões de dólares para uma rodagem em Budapeste e na Toscana e uma narrativa que se estende ao longo de 30 ou 40 anos —, acaba por ter consequências: O Brutalista apresenta-se como um passe de prestidigitação, uma série de golpes de sugestão, visto que consegue dar a ver, desde logo na reconstituição da América dos anos 40 (chegando as personagens até aos anos 80), uma miragem, aquilo que não está inteiramente lá. Corbet não trocaria de lugar, isto é, de orçamento. "Sim, encarámos a construção de sets desta maneira: ou mostramos o chão ou mostramos o tecto. Não podemos mostrar as duas coisas. Podemos mostrar o lado esquerdo e a fachada, mas não podemos mostrar o lado direito. Estávamos sempre a fazer escolhas. Se a câmara se mexesse mais para a direita ou mais para a esquerda de 95% dos cenários não encontraria nada. Mas eu não gosto de ter muitas opções. A maior parte dos filmes colocam a câmara em 50 ou 60 posições diferentes num dia, eu conseguia fazer tudo em cinco ou seis e se fizesse mais o trabalho começava a ficar desleixado e seria obrigado a encontrar o filme na sala de montagem — e não gosto disso."
A citação é longa, mas vale a pena: nela a estética e a ética são não só concebidas dentro dos limites de produção como se elaboram a partir deles. "Trabalhei em televisão no passado e as estações querem que se filme tudo com três ou quatro câmaras. Não estamos a propor a nós próprios mais escolhas, estamos a dar-lhes mais opções. Hoje diz-se que a televisão é o meio por excelência dos argumentistas. Discordo. É o meio por excelência dos executivos. Quando se faz uma coisa que custa muito dinheiro, mais de 100 milhões de dólares, mais de 200 milhões, estamos apenas a abrir as portas a um comité de executivos que nunca fez nada de pessoal. Eu gosto de ter a minha opinião em cada uma das decisões a tomar em vez de acabar com um esquisito pudim entre mãos que nada tem a ver comigo. Hoje espera-se das pessoas que façam 'cadáveres esquisitos', a cabeça de um golfinho, o corpo de uma bailarina exótica. Ao fim de cinco ou dez minutos a ler esses argumentos sabemos logo o que vai acontecer."

América, a não-erecção


A imagem da Estátua da Liberdade de pernas para o ar é uma poderosa metáfora, como o Cristo invertido em Underground - Era Uma Vez um País (1995), de Emir Kusturica. Começa logo depois o desacerto, prático e filosófico, de László Tóth com a experiência americana, na Pensilvânia. Na sequência com a prostituta, László não funciona. Uma "não-erecção", a América invade as zonas mais íntimas dos indivíduos.
Há sempre algo que não funciona entre as personagens. "Sim, estou interessado na experiência social que é o capitalismo americano", no filme representado por Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce), cavaleiro da indústria que encomenda um projecto ao arquitecto, "no facto de todas as relações implicarem sempre uma transacção. É interessante que todas as personagens estejam a tentar conseguir um contrato, infelizmente as coisas são assim na América, país assente nas trocas de dinheiro em que as pessoas não se dão com aquelas que não podem jantar nos mesmos restaurantes que elas. Isto não se passa em países onde vivi, França ou Noruega — a minha mulher [a co- argumentista Mona Fastvold] é norueguesa."
Na relação de László com Erzsébet Toth (Felicity Jones), a mulher de quem foi afastado pela guerra na Europa e com quem se reencontra finalmente na nova pátria esperando reconstruir o seu casamento, Corbet quis avançar contra o romantismo.
"São duas personagens que estiveram afastadas durante oito ou nove anos e que tentam descobrir como podem ser íntimas de novo. Era importante para mim — e disse isso a Felicity — que a mulher não fosse a caricatura da rapariga de sonho. Ela é dura, não é uma donzela em apuros. Para mim e para Mona, Felicity é uma espécie de Gertrude Stein [escritora, 1874-1946]. É uma académica. Queríamos que entre os dois as coisas fossem complexas: amam-se, mas estão sempre a embirrar um com o outro. Nos filmes que fazem a crónica do mito americano há sempre os machos geniais e ao lado as personagens femininas supérfluas." Paul Thomas Anderson, de novo? A fragilidade de Adrien Brody é uma alternativa a Daniel Day-Lewis. "Quando estávamos a escrever o argumento fizemos questão de acabar com isso. Baseámo-nos em Louis Kahn [arquitecto, 1901-1974, autor de projectos de monumentalidade monolítica, como o Salk Institute, a inspiração para os trabalhos de László] e quisemos ter a certeza de que não estávamos a contribuir para esse problema que é estar sempre a contar histórias de homens geniais e torturados."

Apontar às estrelas


Numa conversa com Brady Corbet abundarão as maiúsculas e o name dropping: Robert Musil, W. G. Sebald, Goethe ou Ingeborg Bachmann, os seus "romances de ideias" e as personagens veículos de visões omniscientes, como esse "arquétipo que é a personagem de Guy Pearce, moralmente questionável mas fascinante" — estamos no interior do cinema de cabeça grande de Corbet de que O Brutalista é a mais auspiciosa concretização, o filme que ainda não tinha conseguido fazer; ainda, Jonathan Glazer, Harmony Korine, Claire Denis ou David Cronenberg, cineastas, e contam-se pelos dedos das mãos segundo Corbet, que "procuram uma nova linguagem" no "cinema de arte e ensaio" onde existem os mesmos impulsos de Hollywood e se "joga demasiado pelo seguro" — "É tão difícil fazer hoje um filme que mais vale apontar desde logo às estrelas. Às vezes vejo coisas e penso... 'porque é que gastaste três ou quatro anos da tua vida com um filme sobre o fim de uma relação?'"; os adjectivos "perigoso" ou "radical".
"Vivemos numa era em que umas pessoas estão à procura de razões para cancelar outras. Não há espaços seguros para se discutir ideias radicais. E, no entanto, é importante que isso não desapareça: espaços em que se possam expressar ideias com as quais não concordamos." Isto era a propósito do livro de Ayn Rand (1905-1982) The Fountainhead, que deu origem a Vontade Indómita, o filme de 1949 de King Vidor, onde a escritora explana a sua filosofia do individualismo e do liberalismo que está na cabeceira de Donald Trump ("não sei, acho que ele nunca leu um livro até ao fim, a não ser o dele próprio").
"Faço filmes sobre a política, mas não penso que sejam políticos — a não ser que se venha com o argumento de que tudo é político. Mas há uma lógica poética [nos meus filmes] e é essa a razão por que as minhas histórias são inventadas e não são biopics. Não me interessam os factos, as datas, interessa-me pensar a História de outro modo. Interessa-me o que não é facilmente articulável sobre a História. Sou fã de The Decline of the West de Oswald Spengler" — mais leituras —, "em que ele tenta uma associação livre entre arte, música, política, que formam uma coisa una, um organismo. Em A Infância de um Líder eu estava interessado num ambiente propício à tirania, como algo na água, um microclima favorável.” O Brutalista banha-se no ambiente traumático do pós-guerra e em como isso enformou a arquitectura.
O Brutalista foi concebido como filme com intervalo que separa "o optimismo" da primeira parte do "pessimismo" da segunda. De novo, a partir das contingências traça-se o rumo às estrelas. "Para começar, eu sou alguém que não consegue estar três horas e meia sentado, preciso de me levantar, fico stressado. Quis que as pessoas que são como eu se concentrassem no filme em vez de estarem a pensar 'tenho de ir à casa de banho...'. Por outro lado, penso que o intervalo é uma experiência emocionante: as luzes acendem-se e as pessoas começam a falar do que esperam para a segunda parte e isso estimula uma audiência."