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PROGRAMAÇÃO: MAIO 2016
Sala de exibições
Pequeno auditório
Casa das Artes de V. N. de Famalicão
Parque de Sinçães - V. N. de Famalicão
O Grande Carnaval de Billy Wilder
Billy WILDER – O Disfarce
(de Fevereiro a Julho de 2016, entrada livre)
Sinopse
O Grande Carnaval
Ace in the Hole (EUA, 1951, 108 min) “O Grande Carnaval” é um dos filmes menos conhecidos
de Billy Wilder, onde o cineasta reflecte sobre o papel da imprensa sensacionalista. Trata-se de
um filme visionário, com muito a ver com a comunicação social moderna. Kirk Douglas interpreta
o papel de Charles Tatum, um repórter sem escrúpulos que se dedica a dar ao público histórias
de sensação, mesmo que para isso tenha de maquilhar um pouco a realidade. Walter Newman,
Lesser Samuels e Billy Wilder foram nomeados para o Óscar de melhor argumento original de
1952. Billy Wilder ganhou o prémio internacional do Festival de Veneza de 1951.
[Cinemateca Portuguesa]
A comédia triunfante
Billy Wilder deu uma nova tonalidade à comédia americana. Sabe como fazer o espectador rir e alterna diálogos hilariantes com situações engraçadas, que roçam muitas vezes o burlesco. O seu gosto pelos travestis e pelo quiproquós sexuais, vêm-lhe, sem dúvida, da frequentação dos cabarés berlinenses durante a República de Weimar. Lubisch, um dos seus mestres, havia, aliás, sofrido a mesma influência, mas tinha apagado a vulgaridade e a grosseria dos seus filmes americanos. Em contrapartida, soube conservar o jogo de ambiguidades que dava todo o sabor e sublimou-o de um modo genial. Ao trabalhar com Lubisch, Wilder aprendeu, por isso, a dosear e a estruturar os efeitos cómicos para melhor os aperfeiçoar. Todavia, acrescentou muita critica social. As suas comédias transformaram-se então tanto em farsas como em sátiras. A mentira e o disfarce são os seus materiais preferidos para fazer o público rir. Também usa a inversão, mais do que a mudança de situação. As suas personagens são sempre forçadas a mudar de identidade ou de sexo para se livrarem de sarilhos. E, como são obstinadas, ficam emaranhadas nas suas intrigas e perdem-se na paranoia ou na esquizofrenia. É próprio dos grandes autores cómicos proceder deste modo. De Molière a Sacha Guitry, de Charles Chaplin a Jerry Lewis, estes génios divertiram o público com estes sistemas. Nisso, Wilder é um clássico.
Billy Wilder e o filme negro
Não foram as comédias que consagraram Billy Wilder como realizador em Hollywood, mas os filmes negros. O sucesso de Pagos a Dobrar contribuiu para impor este movimento que surgira desde há muito e que desabrochará em 1944 com a estreia de outros filmes de cineastas da Europa Central: Laura de Otto Preminger, Phantom Lady de Robert Siodmak, ou Suprema Decisão de Fritz Lang. Marcadas pelo estilo germânico, todas estas obras tinham o cunho do seu autor e o sórdido não aparecia da mesma forma. Preminger juntava-lhe uma sofisticação de gelo. Siodmak e Lang brincavam com o onirismo ou apelavam à psicanálise. Por sua vez, Wilder optava por um realismo inquietante, tendo, para tal, recorrido a Raymond Chandler, um dos escritores vindos da escola literária “Black Mask”. A sua preocupação de colocar a ficção criminal ao nível de uma reportagem dava ao filme um reflexo de realidade e recusava todo o romantismo. O seu par de canalhas era fascinante, pois era formado por dois monstros comuns e humanos. Essa mesma abordagem repetir-se-á nos seus dramas: Farrapo Humano, O Crepúsculo dos Deuses, O Grande Carnaval, Testemunha de Acusação, antes de se cristalizar mais tarde em O Segredo de Fedora, um melodrama onde o mórbido se associa ao fim de uma outra ilusão: o cinema romântico tradicional. Wilder definiu um dos conceitos essenciais do filme negro: o realismo sórdido, mas adaptou-o de forma tão brilhante noutras obras que imprimiu uma subtileza moral nas confissões de patifes ou de cobardes que povoam todos os seus filmes. Sabendo que o filme negro nunca pode funcionar directamente com a comédia, conservará os seus princípios, dissimulando-os, para encher as suas farsas sociais ou burlescas de um pessimismo cínico que supera sempre o jogo de quiproquós e as situações de vaudeville. Foi assim que fez sátiras cruéis com o que normalmente repugna ou assusta. O Apartamento é o protótipo mais bem conseguido do filme negro, disfarçando-o com um humor sombrio, acrimonioso e perverso até ao insuportável. Em contrapartida, quando opta pelo filme de bandidos – Quanto Mais Quente Melhor – a paródia leva a melhor, pois este género é demasiado codificado para se deixar subverter dessa maneira. Finalmente, se Wilder transforma frequentemente os contos de fadas, é porque tem consciência do que Cocteau afirmava: “Os contos de fadas são os romances eróticos das crianças, pois fazem-lhes medo”, e a careta do palhaço é, na verdade, mais assustadora que engraçada. O sarcasmo é diabólico como um filme negro.
A arte do argumento
Wilder estreou-se no cinema como argumentista e, ao longo dos anos, soube assimilar os conselhos de dois mestres da matéria: Carl mayer e Ernst Lubitsch. Mas sempre trabalhou a dois neste domínio, primeiro com Charles Brackett, um homem diferente dele em todos os aspectos da vida, mas capaz de instaurar um diálogo produtivo na elaboração dos guiões. Ao longo dos seus anos de trabalho em conjunto, introduziram o realismo na comédia tradicional ou no drama, com o mesmo agrado. No entanto, a origem social e a mentalidade reacionária de Brackett persuadiram Wilder a afastá-lo da escrita de Pagos a Dobrar e a associar-se a Raymond Chandler, que trará uma originalidade inegável aos diálogos. Mais tarde, separado de Brackett, Wilder contratará outros argumentistas antes de conhecer I.A.L. Diamond, do qual não se separará mais. Ele explicará o método de trabalho a Jean Douchet: “Por vezes, escrevemos, por vezes, discutimos. Quando estamos desesperados, calamo-nos. Chegamos a escrever doze páginas de tarde. Acontece de tudo. Ficamos no meu quarto desde as nove da manhã às seis da tarde, de forma tão regular como os empregados de escritório. A dificuldade não é encontrar ideias a partir do nada, é partir de milhões de ideias das quais a maior parte não tem nada a ver com o que temos de fazer. O primeiro grande trabalho é deitar fora tudo o que é inútil”. Antes de mais, Wilder procura o que vai incidir sobre o público de forma imparável, mas não aliciadora. Um letreiro pendurado no seu escritório é revelador: “Como é que Lubitsch faria?!. É interessante saber que os dois argumentistas hesitavam na última cena de Quanto Mais Quente Melhor, Diamond lançara a deixada “Ninguém é perfeito”, que havia tido lugar no meio da sequência. Como não lhes surgia nenhuma ideia para a deixa final, passaram essa frase para o fim da cena, mas provisoriamente, à espera de encontrar algo melhor antes que fosse rodada. Não o conseguindo, conservaram-na e ficaram espantados ao constatar o seu extraordinário impacto cómico no público. Wilder nunca acreditou na improvisação de uma cena na rodagem. O seu argumento não é apenas a arquitectura do filme futuro, é já o filme. A realização não passa da orquestração dos tempos dos actores e da cadência do conjunto. Cenários, músicas e montagem estão dependentes dessa base escrita onde a especificidade cinematográfica é o único vector que justifica as descobertas de diálogos ou de situações. Mas esse controlo absoluto não é o suficiente para atingir a eficácia pretendida. Billy Wilder sabe-o desde o seu começo como cineasta: constatou a inutilidade das cenas finais de Pagos a Dobrar e o seu erro de estratégia na abertura de O Crepúsculo dos Deuses com uma cena na morgue.
Noel Simsolo, Cahiers du Cinema