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Realizado pelo crítico e historiador de cinema Mark Cousins, este documentário é um objecto que se vai construindo através de círculos concêntricos, começando pelo ensaio cinematográfico, evoluindo para a análise histórica e tendo ainda tempo e espaço de nos deixar, naquele tom de teatralidade sussurrada que tem a voz de Cousins, todo o legado para os dias de hoje de um acontecimento central que colocou em movimento as águas da História: a ascensão do fascismo, na sua versão italiana, a de Benito Mussolini (1883-1945), ditador admirado e citado por gente tão diversa, mas igualmente amante de comícios a partir de varandas-púlpito, como Adolf Hitler, António de Oliveira Salazar, Vladimir Putin ou Donald Trump, estes últimos dois adeptos do mussoliniano credo “mais vale ser um dia leão do que cem dias cordeiro”. O título do filme refere a marcha realizada em Roma no dia 28 de outubro de 1922 por milhares de seguidores do fascismo. Foi durante esse evento que Mussolini, líder do Partido Nacional Fascista, foi nomeado primeiro-ministro pelo rei Vítor Manuel III (1869-1947).
De olhos postos na mentira fascista Inês Lourenço, DN O cinema como manipulação ou mecanismo revelador. Em Marcha Sobre Roma, Mark Cousins dá os dois lados desta arte que nos permite examinar a verdade histórica. Neste caso, a verdade sobre a ascensão do fascismo.
Mark Cousins e a sua peculiar narração das imagens cinematográficas vão tendo presença cada vez mais regular nas salas portuguesas. Quer dizer, não foi assim há muito tempo, em 2019, que nos chegou Os Olhos de Orson Welles, a sua missiva em torno dos desenhos do realizador de Citizen Kane, e, em 2021, a preciosa série documental As Mulheres Fazem Cinema, que se pode definir como uma longa aula sobre uma história alternativa do cinema. Agora, com a estreia de Marcha Sobre Roma, o documentarista irlandês volta à sua sempre esmerada leitura das imagens em movimento para contar como o cinema auxiliou a ascensão do fascismo em Itália: o momento em análise é esse indicado pelo título, a manifestação fascista de outubro de 1922 que correspondeu à nomeação de Benito Mussolini como primeiro-ministro.
Concentrando as atenções no arquivo de um filme de propaganda de Umberto Paradisi, A Noi! (1922), Cousins desmonta pacientemente os elementos de fachada que forjaram a dimensão do referido acontecimento histórico. A começar pelas condições meteorológicas. Entenda-se: o caráter heroico desta marcha dos Camisas Negras, desde Nápoles até Roma, não poderia ser diminuído pela presença da chuva, que os mostraria ao mundo... encharcados. Pelo menos, não no filme. E outra coisa que A Noi! tenta disfarçar na sua montagem é o facto de Mussolini não ter feito a marcha; enquanto esta decorria, Il Duce aguardava num hotel em Milão, para o caso de o plano dar para o torto e ser preciso fugir do país (foi só quando recebeu as boas notícias que se dirigiu para Roma de comboio).
Estas evidências escalpelizadas pelo olhar detetivesco de Cousins, que vai ao mais ínfimo e curioso detalhe para denunciar a manipulação das imagens, é o que torna Marcha Sobre Roma um documentário do seu autor (a voz em off é dele, claro), com o estudo cinematográfico a servir de ponte para a consciência da história política. Porém, Cousins, ao abordar ainda os casos de fascismo noutros países, como Portugal, não se fica apenas pelo passado. Há uma vontade de refletir a face intemporal das paixões humanas, por exemplo, com aparições da atriz Alba Rohrwacher, que intercalam vários momentos do filme, a traduzir, em breves monólogos, a sedução coletiva pelo fascismo e o posterior desengano. Aí, e noutros preocupantes vestígios contemporâneos, ecoa a lógica daquela marcha com mais de um século.
Se ainda não ficou claro, o cinema é o coração de Marcha Sobre Roma: vemos o seu poder perverso e a sua força reveladora como duas faces da mesma moeda. Porque, afinal, é no trabalho escrupuloso sobre a substância e a forma das imagens que Mark Cousins ensaia uma visão de essência cinematográfica. Uma das ideias bonitas com que nos deixa, devidamente argumentada com planos de alguns filmes (Salò ou Os 120 Dias de Sodoma, de Pasolini, Um Dia Inesquecível, de Ettore Scola, O Conformista, de Bertolucci...), é a dança como gesto que se contrapõe à rigidez da marcha. A liberdade do cinema passa por esse movimento em recusa das linhas retas do fascismo.