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Alaina está cansada de ser polícia na reserva de Pine Ridge e decide deixar de atender o rádio. A sua sobrinha Sadie passa uma longa noite à sua espera, sem sucesso. Magoada, decide iniciar a sua viagem com a ajuda do avô: voará no tempo e no espaço até à América do Sul, deixará finalmente de ver velhos westerns a preto e branco que não a representam de forma alguma, e tudo parecerá diferente quando ouvir os sonhos de outras pessoas, as que vivem na floresta. Mas não haverá conclusões definitivas… Os pássaros não falam com os humanos, mas se ao menos os conseguíssemos entender, eles teriam certamente algumas verdades para nos dizer. Eureka estreou no Festival de Cannes e tem no elenco Viggo Mortensen, Chiara Mastroianni, Rafi Pitts, Luísa Cruz, entre outros.
Lisandro Alonso: “Temos de pegar nas armas do passado e voltar a usá-las” _ Entrevistas Vasco Câmara, Publico de 3 de Abril de 2024 No início, um western. Passa depois para o lado de lá do cliché, uma comunidade ameríndia de hoje; finalmente liberta um pássaro que nos conta a história toda. Eureka. Qual a solução para a Argentina?
As notícias sobre o cinema argentino têm sido maravilhosas, desafiadoras, petulantes — assim acharão também se tiverem visto La Flor, de Mariano Llinás, Os Delinquentes, de Rodrigo Moreno, ou Trenque Lauqen, de Laura Citarella.
Mas as notícias sobre o cinema argentino são sombrias, devastadoras: o governo do presidente populista Javier Milei, eleito em Novembro, quer fechar o instituto de apoio à cinematografia que apoia as salas dedicadas ao cinema independente e os cineastas que têm sido responsáveis por esta vaga vertiginosa que os argentinos — a braços com uma crise que os torna reféns dos pagamentos à segurança social, da escola dos filhos e da alimentação, sem hipótese de desenvolver a condição de espectadores — ignoram. Toda uma geração de realizadores está portanto a filmar para os festivais e espectadores internacionais.
"Há muitos problemas a acontecer na Argentina e cinema não é o mais importante deles", diz-nos Lisandro Alonso, 48 anos. No meio destas impossibilidades, ele aparece com um filme, esta semana nas salas portuguesas, chamado, estranhamente, Eureka, uma co-produção em que intervém a portuguesa Rosa Filmes e que integra no cast "the great" Luísa Cruz em papel de freira. Resultou de uma viagem aos EUA e de um desejo de fazer um filme sobre "os povos nativos do continente americano", um vol d'oiseau — literalmente, às tantas — sobre um mapa e uma história.
Resumindo: começa com um western, com um olhar satírico sobre os seus clichés de representação; passa para o "lado de lá" das personagens e das situações, apresentando-nos uma comunidade ameríndia do Dakota do Sul de hoje, afectada pela penúria económica, pelo desespero, onde chega uma actriz (Chiara Mastroianni) que pesquisa para o seu papel... num western; finalmente, palavra excessiva para tudo o que se passa em Eureka, uma personagem, uma mulher-polícia, encarna num pássaro e viaja pelo território e pelo tempo.
Se um espectador procurar saber, através das sinopses que circulam, o que é Eureka, encontrará a descrição de um western, da história de uma mulher-polícia numa comunidade ameríndia do Dakota do Sul e de uma história narrada por um pássaro. Cada uma, que é verdadeira, ignora as outras. Que filme é então Eureka?
É uma pergunta difícil porque vejo o filme como peça única. Mas entendo que as pessoas o dividam em partes, esquecendo até cada uma das outras. Eureka é um único filme que tem um prólogo que é um western, a preto e branco, como já não se fazem, e que me serve de trampolim, de exercício, para compreender a forma como o cinema nos representa como comunidade, como humanos. Hoje, metade dos westerns não seria feito pela forma como trata os índios, as mulheres, os cavalos, todos os que não são homens brancos. Olho para Eureka como uma pintura ou como um poema. Não se pode dividir uma pintura em partes, embora tenham sido usados diversos utensílios e embora haja diferentes cores. Todas as elucubrações sobre o filme devem-se às três partes que o constituem.
Porque falou em pintura... Eureka parte de algo concreto para algo de abstracto. E porque falou em poesia... começa próximo da prosa e afasta-se em direcção à poesia.
Penso que tem razão. Começa com um pedaço falso de entertainment, a preto e branco, um "filme antigo" mas à minha maneira. Não sou um cineasta muito narrativo, mas, sim, pode-se seguir uma série de esquemas do western.
Depois partimos em direcção à vida real, o dia-a-dia numa reserva de índios nos dias de hoje. Aí podemos ver as indecências que um western causou em termos de representação das comunidades índias. Andei a viajar pelos EUA um ano. Visitei nove vezes uma reserva antes de filmar. Basta googlar para ver os problemas que afectam essas comunidades e que são elencados pela personagem interpretada por Chiara Mastroianni [uma actriz que faz a sua pesquisa preparando-se para um filme]. Mas também gostaria que o espectador sul-americano reparasse na forma como comparo a América do Sul e Central com a América do Norte: como os governos tratam as minorias, especialmente as que descendem dos tipos originais, do passado. Mesmo se as nossas democracias são muito frágeis, nada perfeitas, nós, os do México e dos países mais ao sul, ainda incluímos essas minorias. Ainda "nos" incluímos, porque "eles" são parte de nós.
Eu sou misturado, tenho sangue europeu e sangue nativo, por isso não me sinto diferente das personagens ameríndias da parte final do filme. Há muitas semelhanças entre elas e os argentinos de hoje. Isso é muito importante, especialmente hoje devido a quem nos governa [o autoproclamado "anarcocapitalista" Javier Milei]. Continuo a ouvir teorias, discursos, sonhos, dos nossos políticos, ouvimo-los há 40 anos, e eles não dizem nada de verdadeiro sobre os argentinos. Mas continuamos a acordar todos os dias, porque temos bom tempo, e assim continuamos com as nossas vidas...
Ainda assim acho que se divertiu a filmar o seu western. Por ser a preto e branco pensamos no Dead Man/Homem Morto (1995), de Jim Jarmusch, mas tem mais que ver com um filme de cores intensas, Johnny Guitar (1954), de Nicholas Ray, com a sua presença feminina enfática, El Coronel, interpretada por Chiara Mastroianni...
Sim, absolutamente. Mas sempre estive próximo disso, de uma personagem a tentar sobreviver num meio hostil, que não se interessa nada por ela, e que enfrenta os bad guys... O western influenciou todos os géneros. Em todo o lado vemos um western. Quando estava a estudar na universidade, pediram-me para citar cinco filmes e falei no Imperdoável (1992), de Clint Eastwood. Não era cinéfilo, e não acho que me tenha tornado, e não tinha os outros quatro títulos para nomear. Lembrei-me de Imperdoável. Talvez porque gosto da natureza. Porque cresci entre cavalos, árvores e porcos posso ver mais coisas num western do que noutro género. De cada vez que tenho uma câmara para filmar prefiro a natureza aos sinais de trânsito: posso descobrir mais dos humanos na natureza do que em Buenos Aires.
Há dez anos comecei a tentar entender a filosofia dos westerns, a indústria dos westerns. Percebi o poder das imagens e como elas nos influenciam. Comecei a perceber, 50 anos depois, o que era o western, o lado entertainment, o facto de nunca ter havido uma vontade representativa, etnográfica: compreender como eles andavam, como respiravam, como comiam, como gastavam a sua energia. Isso foi injusto. Tal como, daqui a 50 anos, o conteúdo dos filmes e séries que estão nas plataformas de streaming não representará a vida dos humanos de hoje. Preciso de entender, porque sou um homem das imagens, onde é que devo colocar a câmara de filmar.
Viu uma série chamada True Detective: Night Country...?
Vi os dois primeiros episódios...
O segundo segmento de Eureka tem pontos de contacto. Uma das razões para a envolvência que gera é a textura sonora que cobre e isola os seres. Estamos sempre a ouvir vozes, através de speakers, da rádio, de telemóveis, e ouvimos vários sotaques e inflexões, uma presença que não está dependente da figuração. É hipnótica essa presença autónoma da voz.
Limitei-me a seguir a realidade, os factos das jornadas da actividade policial. Fiz várias saídas com os polícias antes da rodagem. Nunca param, trabalham 12 horas seguidas, andam de um lado para outro, só param nas estações de gasolina. Como estão a gravar tudo o que se passa, porque isso é um protocolo policial, têm de guardar para si próprios as suas emoções, o que torna tudo mais intenso para eles. Não se ouve nada no exterior, porque está um frio de rachar, toda a gente está fechada em casa com os seus problemas, o desemprego, o álcool... Tentámos recriar esse som a partir dos elementos naturais que tínhamos dos carros, dos rádios. Quando a personagem da mulher-polícia decide abandonar tudo e partir — o que quer que seja que se passe nesse momento [é a passagem para a terceira parte] — ela deixa de ouvir a rádio... isso é sinal de que decidiu partir.
Entramos no momento do pássaro. Que era suposto ter uma voz, ser o narrador de todo filme. Abandonou essa ideia...
Precisava de um álibi místico para fugir da América do Norte em direcção à América do Sul. Algo que tivesse que ver com o diálogo com os antepassados, elementos que voassem, coisas assim. Se mostrasse esta rapariga simplesmente a cometer suicídio, fechava-se apenas um capítulo. Mas se aproveitasse esse suicídio para viajar de um local para outro, através de uma reencarnação, seria algo mais esperançoso para a personagem e eu teria uma desculpa para observar outra parte do mundo através dos seus olhos. Mas depois comecei a ficar confuso: que língua essa voz deveria usar, inglês, português, espanhol [as línguas das diferentes paisagens históricas do filme]? Quando fico confuso escolho o silêncio. Não confio excessivamente nas palavras. E também não queria dar hipótese a que as pessoas se abandonassem ao riso porque um pássaro falava. Deveria também haver muitos pássaros. Mas a tecnologia digital é cara e por isso reduzi o papel deles no filme.
Foi fácil chegar à comunidade ameríndia do Dakota do Sul e aparecer com a máquina de cinema?
Depois de ter acabado Jauja (2014, o filme anterior) dei aulas em dois programas de bolsas de estudo nos EUA, Nova Iorque e Boston. Levei os meus filhos e a minha ex-mulher, e passámos lá um ano. Mas estava a aborrecer-me no meio académico. E se apontasse a minha câmara aos EUA? Depois de Jauja tinha a ideia já de o meu projecto seguinte ser sobre os nativos do continente americano. O destino levou-me até às reservas índias, e usei contactos do [actor] Viggo Mortensen, que me indicou várias famílias. Apanhei dois aviões, aluguei um carro, conduzi durante cinco horas, cheguei no Inverno e conheci uma família que conhecia Viggo. Um dos filhos era polícia e a ideia de observar a vida daquela comunidade através da personagem policial nasceu ali.
Disseram-lhe o mesmo que dizem no filme à personagem de Chiara Mastroianni, que só se vai ali para contar o mesmo tipo de histórias, que eles se suicidam, bebem e se drogam?
Não, mas sabem que sempre que um estrangeiro deles se aproxima é para contar histórias dessas. Como disse, basta googlar e as primeiras palavras que aparecem são: metanfetaminas, diabetes, suicídio infantil, desemprego. Essa é uma realidade, mas não é a única. O governo americano tenta evitar resolver o problema desses 4 milhões de americanos. Na América do Sul pensa-se que os EUA são a única solução... Não tenho tanta certeza assim.
Enquadra as duas personagens femininas no segundo andamento, a mulher-polícia e a sobrinha, rodeando-as de silêncio, de majestosidade.
Quando alguém morre, ficamos de luto. As pessoas destas comunidades passam por isso todos os dias. Com os pais, com os irmãos, com o cão, com o vizinho. Mesmo quando tentam fazer outra coisa, como jogar basquetebol, há sempre o peso das coisas más. Através da forma como enquadro tento fazer com que o espectador entre em conexão com essa dor. Preciso de entender porque é que as pessoas estão nessa situação. É uma forma de respeito também. A personagem tratou de pelo menos 17 suicídios. Consegue imaginar alguém a fazer esse trabalho todos os dias, alguém que provavelmente nessa noite vai descobrir mais um cadáver?
A mulher polícia é representada por uma polícia na vida real (Alaina Clifford). Tem cinco filhos. E muitos problemas. Era suposto termos filmado lá durante 16 dias, acabámos por ficar dois meses devido a uma série de problemas. Ao sexto dia de rodagem, ela descobriu que o filho recém- nascido estava com pneumonia de maneira que ela e a criança tiveram de ser evacuadas de helicóptero para uma cidade próxima. Tivemos de passar toda a estrutura da rodagem para a personagem da instrutora de basquetebol (Sadie Lapointe). Passou-se tudo sempre assim, era preciso estar sempre aberto a mudanças. Por isso gostei da parte do western: aí controlávamos tudo.
Como se sente na Argentina de Javier Milei?
Acabei de estrear o filme e ao mesmo tempo há notícias de que os governantes querem encerrar o instituto de apoio ao cinema, querem fechar o cinema argentino porque precisam de reduzir as despesas, blá-blá-blá, a merda do costume. É um sentimento contraditório, o meu. Sei que num próximo filme quero estar perto da minha família e dos meus amigos, com a minha equipa. Talvez regresse à estrutura do primeiro filme [La Libertad, 2001] para sentir que voltámos atrás duas décadas, sem instituto de cinema, sem festivais de cinema, sem salas de cinema. Tivemos sorte em ter tido depois apoio do governo e das escolas. Mas agora estão a tentar abater-nos. Temos de pegar nas mesmas armas em que pegámos no passado e voltar a usá-las. É o que vou fazer.
São chocantes, demagógicas, as declarações de representantes do governo a dizer que acabou o tempo em que os festivais eram financiados à custa da fome de milhares de crianças...
... Isso é um disparate. Somos independentes do governo, porque o dinheiro que nos chega vem das bilheteiras e das taxas de televisão e de rádio. Os governantes gostam de confundir as pessoas e dizer que o dinheiro vem do orçamento de Estado para as pôr contra nós. Mesmo que reduzam os subsídios que recebemos de fontes independentes, isso é nada face à corrupção, à inflação.
São falácias de um governo populista que espera que os cidadãos acolham a ideia de que os cineastas estão a viver com o dinheiro que deveria servir para combater a fome.
O governo está contra as pessoas do cinema, sobretudo do meio dos actores, porque essas pessoas estão contra ele. Eram partidários de Cristina Kirchner [ex-presidente argentina]. Se os puderem eliminar profissionalmente... É uma questão política, não tem que ver com cinema porque eles não querem saber de filmes. Só querem saber do que dá dinheiro. Querem fazer calar as pessoas que pensam de maneira diferente.
Qual a relação dos argentinos com o seu cinema, com estes novos filmes que estão a maravilhar festivais e espectadores internacionais?
Ignoram o que se passa porque hoje é complicado pagar um bilhete para ir ao cinema. O meu filme estreou-se numa sala, onde também se estrearam Os Delinquentes [Rodrigo Moreno] e Trenque Lauquen [Laura Citarella]. São essas duas ou três salas que dependem do Instituto Nacional de Cinematografia que o governo quer fechar. Não há janelas grandes para mostrar o nosso trabalho. Há só já pequenas salas. E ainda assim querem fechá-las. Não há dinheiro para as pessoas irem ao cinema, nem mesmo para os filmes da Marvel. O estado da economia é desesperado. Famílias da classe média, como a minha, têm de decidir entre pagar a segurança social, a escola dos miúdos e a alimentação. Há muitos problemas a acontecer na Argentina e o cinema não é o mais importante deles.