Siga-nos no Facebook / Twitter!

PROGRAMAÇÃO: JUNHO de 2012

Filme
JUN
7
Foto
Clint EASTWOOD

Filme
JUN
13
Foto
Werner HERZOG
* ENTRADA LIVRE!

Filme
JUN
14
Foto
Miguel GOMES
* TRAZ OUTRO AMIGO TAMBÉM!

Filme
JUN
21
Foto
Aki Kaurismäki

Filme
JUN
27
Foto
Akira KUROSAWA
* ENTRADA LIVRE!

Filme
JUN
28
Foto
Steve MCQUEEN

Sala de exibições Pequeno auditório
Casa das Artes de V. N. de Famalicão
Parque de Sinçães - V. N. de Famalicão

bottom corner
 
   

Alteração de Horário da Projecção do Filme LE HAVRE

Atendendo à realização do jogo dos quartos-de-final do Campeonato da Europa de Futebol na próxima 5.ª feira (dia 21 de Junho), com a presença da Selecção Portuguesa, dado o carácter excepcional do evento referido e de forma a permitir que o filme LE HAVRE chegue a um maior número de pessoas interessadas, promovemos a alteração do horário da projecção, que assim se iniciará pelas 22h15. A sessão tem a duração de 1h30 e não terá o habitual intervalo.

LE HAVRE de Aki Kaurismäki

Sinopse

Cansado da sua pouca sorte como escritor, Marcel Marx (André Wilms) deixa a sua vida para trás e parte com a mulher Arletty (Kati Outinen) para Le Havre, uma pequena cidade portuária do Sul de França. Ali, num recomeço incomum, ele torna-se engraxador de sapatos, algo que faz alegremente e sem perder o optimismo nem a dignidade que lhe é característica. É então que conhece Idrissa (Blondin Miguel), uma criança africana refugiada, que planeia chegar a Londres, onde encontrará a família. Sem saber o que fazer àquela criança, decide levá-la consigo para casa e tornar-se seu protector. Porém, mesmo contra o cinismo da sociedade, dos problemas que acabam por surgir com a polícia e da doença que ameaça a vida de Arletty, ele não desiste da sua luta por um mundo melhor.

Realizado pelo finlandês Aki Kaurismäki e estreado na última edição do festival de Cannes, onde foi aplaudido pelo público e pela crítica, "Le Havre" ganhou o Fipresci - Prémio da Crítica Internacional e o Prémio Louis Delluc, um dos mais prestigiantes galardões franceses.

Download do Dossier

Ficha Técnica

Título original: Le Havre (FIN/ALE/FRA, 2011, 93 min.)
Realização e Argumento: Aki Kaurismäki
Interpretação: André Wilms, Jean-Pierre Darroussin, Blondin Miguel, Kati Outinen
Fotografia: Timo Salminen
Som: Tero Malmberg
Montagem: Timo Linnasalo
Produção: Aki Kaurismäki, Fabienne Vonier e Reinhard Brundig
Distribuição: Midas Filmes
Estreia: 16 de Fevereiro de 2012
Classificação: M/12
Página Oficial: http://janusfilms.com/lehavre/

Críticas


Vasco Câmara, Público, Festival de Cannes

O cinema de Aki Kaurismäki é uma máscara de optimismo que nos avisa que o mundo não é como nos filmes. Mas teremos sempre os filmes

Há 20 anos, Aki lembra-se, ainda se podia fumar numa sala de conferência de imprensa do Festival de Cannes. Hoje já não, e foi precisa uma pantomima digna de Chaplin para lhe tirar o cigarro da boca. Acendeu um, tirou outro... "Os tempos mudaram, eu é que continuo na mesma." Por isso é que Le Havre é um porto de abrigo, porque há coisas que não mudam nos filmes do cineasta finlandês: aquele fingimento de optimismo e de happy end quando a coisa está negra, a autoparódia como consolo (e aviso: tudo isto só existe em cinema), os silêncios e as cores garridas em cenários de outro tempo já que o passado é o local favorito de Aki Kaurismäki e a sua câmara de filmar, que é de 1974 e pertenceu a Ingmar Bergman, "não gosta de arquitectura moderna".

Por isso teve de procurar muito em Le Havre, passar para lá da zona moderna da cidade da Normandia que foi bombardeada na II Guerra Mundial, e descobrir ruelas e recantos do passado que pudessem ser suficientemente artificiais como uma reconstituição em estúdio. Coisa pouca, umas porcarias, como diria um dos actores do filme, Jean-Pierre Darrossin, mas com elas Kaurismäki faz todo um mundo; o que faz dele o oposto de um político, que com o mundo só faz porcarias (ainda Darrossin). Uma questão de moral, portanto. Com realismo poético francês dos anos 30, René Clair e Carné, e ainda, e como sempre, o burlesco de Tati, e o marxismo, mais de Karl do que o dos irmãos, e estamos servidos.

André Wilms, que aqui se chama Marcel Marx, interpreta um homem com os olhos tristes da derrota mas um optimismo de outro mundo. Que, como todas as personagens do realizador, usa como uma máscara de dignidade. Deixou a vida de boémia (e Wilms fez para Aki, em 1992, La Vie de Bohème), os seus sonhos, arrumou os sapatos e remeteu-se aos sapatos dos outros. Ganha (mal) a vida como engraxador. A mulher, Arlety (que outro nome poderia ter Kati Outinen nas brumas de uma cidade portuária?), adoece, um cancro. No momento em que em Le Havre desembarca um miúdo, refugiado africano, que quer chegar a Londres.

Aki diz que não tem respostas para a "crise financeira, política e sobretudo moral que originou a sempre por resolver questão dos refugiados" na Europa. Le Havre não é filme de respostas e é seco como um carapau se se procura discussão de "tema do dia". Mas fala-nos de outras maneiras e por todos os lados, apesar de ser quase sempre mudo, e sempre para nos dizer que o mundo é feito ao contrário daquilo que o filme mostra, com os silêncios, com as cores e com os cenários e não só com os (poucos) diálogos dos actores. Que falam em francês, língua que Aki Kaurismäki não domina, mas isso nunca foi problema. Como Aki disse em português (tem casa e passa parte do ano num canto esquerdo da Europa): “Em Portugal costumamos dizer: "Posso ser burro, mas não sou estúpido."”

Em Cannes por estes dias são todos Aki. Le Havre foi um dos filmes mais aplaudidos do concurso.

O tempo da cerejeira
Luís Miguel Oliveira, Público de 16 de Fevereiro de 2012

Com Kaurismäki o cinema ainda pode mais do que a vida

Fartas de acabar os filmes feitas num oito, as personagens de Aki Kaurismäki passam à acção. Era assim, feito num oito, que tínhamos deixado o último protagonista de Kaurismäki, o Koistinen de “Luzes no Crepúsculo”, filme final de uma designada “trilogia dos perdedores”. Em “Le Havre” começa outra trilogia, ainda e sempre o modo de funcionamento preferido de Kaurismäki, que (em princípio) nos levará a várias cidades portuárias - depois deste começo nortenho, a ideia é seguir para sul. Para além da mudança de ambiente (longe de Helsínquia e da Finlândia), que não é inédita em Kaurismäki e lhe permite abrir o discurso (em “Le Havre” é evidente que ele fala da Europa, a dele, a nossa, a que todos os dias nos encanta), a julgar por este primeiro momento da nova trilogia a grande novidade a esta: a “kaurismakilândia” (segundo a imbatível expressão de Peter von Bagh), feita de excluídos e de párias com pouco dinheiro nos bolsos mas muita nobreza no carácter, “strikes back”.

Conheçam, portanto, o casal Marcel (André Wilms) e Arletty Marx (Kati Outinen). Têm nomes fabulosos, na justaposição do apelido de Karl a nomes próprios que reenviam para o cinema francês, popular e até “proletário”, dos anos imediatamente antes e depois da II Guerra (também há um Dr. Becker, interpretado por Pierre Ètaix), sendo óbvio que, depois de anos a inventar Jeans Gabins finlandeses (Matti Pellonpaa, Marko Peltola - ambos prematuramente mortos), Kaurismäki encontra em Wilms um Jean Gabin francês. Que vem, aliás, de um filme com 20 anos (“La Vie de Bohème”), retomando a mesma personagem, agora “assentada” no Havre, numa vida que não deixa de ser de “boémia” (uns biscates, muito bar, muito álcool, muita música) embora numa escala mais modesta. Está Marcel Marx na pacatez da sua existência quando dois acontecimentos, praticamente simultâneos, o vão desinquietar e obrigar a tomar medidas: cruza- se com um miudo africano, Idrissa, e o seu cão (como em “Luzes no Crepúsculo”, mas aí o miudo africano e o cão eram apenas testemunhas, testemunhas da miséria da vida numa sociedade moderna, “evoluída”), e a mulher adoece gravemente. Entre as visitas ao hospital - o pudor daquela relação, a história dos vestidos e dos presentes, é uma coisa fantástica - Marcel decide- se a ajudar o jovem Idrissa a escapar à sanha das brigadas anti-imigração clandesita e a cruzar a Mancha, para ir ter com a família imigrante em Inglaterra. E, basicamente, é isto.

Mas “isto” sucede num mundo que Kaurismäki pinta em tons idealizados. É a pequena comunidade, o “bairro”, solidário e caloroso por uma questão de princípios e valores, uma espécie de “bolsa” que existe na fronteira com a sua própria mitologia (também, obviamente, um mitologia de cinema: é por aí que Kaurismäki reencontra o cinema francês clássico). A chegada de Idrissa pressupõe a chegada de outros sinais de “modernidade” e, sobretudo, de outros valores incompreensíveis e inaceitáveis - como Idrissa, antes de ser outra coisa qualquer (um imigrante clandestino, por exemplo), é um ser humano, não é surpresa que todo o bairro se mobilize para o ajudar a fugir (como, e há uma cena que praticamente o explicita, num filme de Melville sobre a Resistência). Recorrendo às manigâncias mais extraordinárias, como um “concerto de beneficência” para angariação de fundos, ocasião para o “come back” de Little Bob, um inacreditável rocker local (aparentemente autêntico). À riqueza das personagens que estão do lado certo contrapõe Kaurismäki a silhueta simples dos opositores: Jean-Pierre Léaud, o delator, que aparece meio cambaleante e faz lembrar o “Cordelier” de Renoir, e os polícias que perseguem Idrissa, filmados sempre em bando, a correrem de um lado para o outro (uma espécie de Keystone Cops em estilo Sarkozy). E depois, a personagem ambígua do inspector Monet (Jean-Pierre Darroussin), vestido de negro como um vilão de western ingénuo, mas finalmente merecedor da humanidade que Kaurismäki lhe reconhece (a cena do ananás, no bar, é prodigiosa).

Neste mundo “de cinema” - a fotografia de Timo Salminen faz o milagre habitual: recupera uma luz de estúdio, totalmente em desuso, a aplica-a mesmo às cenas de exteriores - o cinema ainda pode mais do que a vida. É o mais optimista dos filmes de Kaurismäki em muitos anos, mesmo se, por todas, se trata de um optimismo “de fábula”. Há, portanto, lugar para o milagre. E depois do milagre vem o “tempo das cerejas” (como os tangos de Olavi Viirta e de Gardel, um velho favorito da “juke box” de Kaurismäki), e o “plano-ozu” que nunca falta num filme de Kaurismäki: uma cerejeira enquadrada, em leve contra-picado, contra chaminés e cabos eléctricos. É tão belo que dá vontade de chorar. E se não houver cerejeiras no Havre, tanto melhor.

bottom corner