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VERGONHA de Steve McQueen

Sinopse

Aos trinta e poucos anos, Brandon (Michael Fassbender) é um bem-sucedido irlandês com um cargo de topo numa grande empresa de Nova Iorque. A viver sozinho num pequeno apartamento, tem a vida controlada ao milímetro. Porém, por trás de uma máscara de autocontenção, está um homem a viver no limite. Numa luta constante entre um medo incontrolável de intimidade e uma ânsia de sexo, ele vive de encontros ocasionais com estranhos. Até Sissy (Carey Mulligan), a sua irmã mais nova, aparecer sem pré-aviso e instalar-se no seu apartamento. Brandon perde então todo o controlo sobre a sua vida e a sua sexualidade.

Quatro anos depois do êxito do filme "Fome" (também com Fassbender como protagonista), Steve McQueen regressa ao tema da liberdade, desta vez focando o vício enquanto prisão da própria mente. Nomeado para Leão de Ouro na edição de 2011 do Festival de Veneza, arrebatou o prémio FIPRESCI - Prémio da Crítica Internacional.

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Ficha Técnica

Título original: Shame (Grã-Bretanha, 2012, 101 min.)
Realização: Steve McQueen
Interpretação: Michael Fassbender, Carey Mulligan, James Badge Dale
Argumento: Steve McQueen, Abi Morgan
Produção: Iain Canning, Emile Sherman
Musica: Harry Escott
Fotografia: Sean Bobbitt
Montagem: Joe Walker
Distribuição: Zon Lusomundo
Estreia: 1 de Março de 2012
Classificação: M/18
Página Oficial: http://www.foxsearchlight.com/shame/

Críticas

Sexo e solidão
João Lopes, Cinemax

Steve McQueen, o realizador de "Fome", reencontra o actor Michael Fassbender para a encenação do mercantilismo sexual do nosso mundo: "Vergonha" é um espantoso exercício cinematográfico sobre os impasses da condição humana.

É bem provável que a maior parte dos potenciais espectadores de "Shame/Vergonha" tenha sido (des)informada através de manchetes mais ou menos sensacionalistas: o filme seria uma crónica mais ou menos exuberante sobre as actividades sexuais de Brandon, um homem de sucesso de Nova Iorque, contendo muitas cenas "explícitas"...

Enfim, não se trata de simplificar o facto de "Vergonha" ser, de facto, um filme em que a sexualidade desempenha um papel fulcral. Nem se pretende reduzir a questão a uma dimensão mais ou menos frívola e anedótica: estamos, afinal, perante um filme adulto e inequivocamente para adultos.

Trata-se, isso sim, de não aceitar a vulgaridade especulativa (no fundo, agressivamente moralista) de muitos discursos mediáticos. Trata-se, enfim, de sublinhar o essencial. A saber: "Vergonha" é um dos filmes mais radicais que já se fizeram sobre a vivência do sexo como troca mercantil (nem que seja com uma máquina) e também, sobretudo, sobre o avesso de tudo isso.

Que está, então, em jogo? Uma profunda e desesperada solidão. Steve McQueen consegue colocar em cena essa espécie de delírio de posse que o mundo contemporâneo incute na experiência individual, ao mesmo tempo obrigando tal experiência a um isolamento cru, friamente mercantilista.

Escusado será dizer que nada disso se faz sem um elaboradíssimo trabalho com os actores, a começar, naturalmente, pelo protagonista, o admirável Michael Fassbender (que ficou fora dos Oscars...). Retomando a aliança criativa de "Fome" (2008), sobre a agonia de Bobby Sands na prisão, McQueen e Fassbender desafiam os limites do humano, expondo a sua comovente vulnerabilidade. Isto sem esquecermos a intérprete da irmã de Brandon, a notável Carey Mulligan.

A vida moderna
Luís Miguel Oliveira, Público de 1 de Março de 2012

Um balanço perfeito entre um modo “cerebral” de fazer cinema e o inesgotável poder, muito físico, dos seres e dos lugares

Depois da “Fome”, a “Vergonha”: ao segundo tomo, a obra cinematográfica de Steve McQueen começa a parecer uma reflexão serialista sobre as misérias humanas, e talvez acabe aos sete, como os pecados. Já tínhamos gostado imenso de “Fome”, produto de um olhar fresco que tentava habitar a convenção (de um cinema “mainstream”, ou quase “mainstream”) para a rasgar, por dentro e com delicadeza, sem a pose sobranceira com que outros “artistas” se aproximam da “facilidade” do cinema. “Vergonha” sugere que “Fome” não foi um acaso, e que há que contar, de facto, com este olhar de McQueen.

“Fome” era um filme sobre a disciplina, a abnegação de um homem (que valia por Bobby Sands, célebre “mártir” do IRA) que fazia do seu corpo um campo de batalha sacrificial, simbólico, espécie de Cristo moderno. “Vergonha” não é a mesma coisa, desde logo porque muito menos referencial (sem as alusões históricas de “Fome”), mas certas características mantêm-se, é a história de um homem (outra vez Michael Fassbender) prisioneiro de uma prisão mais abstracta do que a de Sands: a sua rotina. Profissional, convivial, mas sobretudo, rotina de “sex addict”. De “Fome” a “Vergonha” cruzamos a linha entre a disciplina e a rotina, muito bem dada logo nos planos iniciais, com as caminhadas repetitivas e circulares de Fassbender dentro da sua redoma (o seu apartamento): quarto, casa de banho, quarto, casa de banho. É o tema do filme, na medida em que se pode dizer que a personagem, antes de estar viciada no sexo, está viciada na sua rotina, que torna o próprio sexo indistinto, habitual, quase “pacato”, sejam encontros fortuitos no metro, “call girls” ou pornografia no computador. Tanta indistinção, reforçada pelo que se mostra da vida profissional de Fassbender (empregado indistinto de uma firma novaiorquina cuja actividade nem sequer explicitada), configura possivelmente um comentário sobre a “vida moderna”, comentário “moral”, talvez mesmo “moralista”, como se fosse essa a “vergonha”, inescapável e precedente a tudo.

É a chegada de um elemento estranho, e no entanto familiar (a irmã, interpretada por Carey Mulligan), que vai pôr a rotina em crise - deixa de ser uma coisa neutra, defensiva e protectora, para se tornar vulnerável, ao pensamento e ao julgamento. É a “história” do filme, completa com descida aos infernos (a última noite) e improvável redenção (improvável porque McQueen corta o último plano antes de ser possível “provar” seja o que for).

Pelo brilho metálico e envidraçado dos ambientes em que Fassbender circula começa então a avançar a sujidade. A gente não a vê, propriamente, vê apenas um homem que se sente cada vez mais enlameado. Há um momento extraordinário, em que McQueen sugere admiravelmente um impulso “purificador”: é quando Fassbender, a meio da noite, veste o fato de treino, põe música clássica nos “headphones” e desde à rua para uma sessão de “jogging” que a câmara acompanha num magnífico “travelling” lateral de muitas dezenas de metros. É um momento que rebenta com os enquadramentos precisos, cerrados, com que o filme normalmente enclausura a personagem de Fassbender, como se se tratasse de “fugir” do filme, de sacudir a norma da “mise-en-scène” (e justamente por isto, é a cena que prova sem margem para dúvidas o total domínio da “mise-en-scène” a que McQueen chegou). A propósito de “mise-en-scène”, também há aqui, como em “Fome” (o diálogo entre Sands e o padre), uma extraordinária cena de conversa. O jantar, num restaurante, entre Fassbender e a colega de escritório que ele engatou ou quer engatar, num longo plano fixo, de campo muito aberto, onde a conversa “privada” (e no entanto, “pública”: há imensas mesas cheias à volta) está constantemente a ser interrompida por um solícito empregado de mesa cheio de sugestões para o menu. De resto, será com esta colega que Fassbender terá uma quase “pública” cena de sexo (num hotel de largas janelas envidraçadas sobre a baixa de Manhattan), cena, de resto, que por alguma razão faz pensar em Cronenberg (“Crash” / “Shame”: o emparelhamento não seria despropositado).

“Vergonha” é um filme doentio, que não explica a doença, e muito menos as causas, apenas põe hipóteses, sugere, expõe a acção como alimento da reflexão. Mostra em vez de ilustrar, em suma, num balanço perfeito entre um modo “cerebral” de fazer cinema e o inesgotável poder, muito físico, dos seres e dos lugares. Certamente um dos melhores filmes que veremos este ano.

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