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Gérard vê seu filho Antoine crescer. Sente que nunca amou tanto e nunca foi tão amado. Mas há
Sophie, as suas ex-esposas e as suas amantes para ter em consideração... E a vida, que
continua.
"O Miúdo é um filme apaixonante, palpitante mesmo, porque num microcosmo como uma
pequena divisão pode passar-se uma infinidade de peripécias romanescas. Quando o vejo, não
sei se é um retrato de Depardieu filmado por Pialat ou um retrato de Pialat interpretado por
Depardieu. É um modelo de transferência, eles conseguem criar uma simbiose das suas duas
vidas para fazer apenas uma personagem. É um filme que dá vontade de viver." (Louis Garrel)
Pialat dos nossos amores Vasco Câmara, 21 de Junho de 2023 O maior cineasta francês? O mais influente dos últimos 30 anos? A propósito de uma retrospectiva com as suas longas, o retrato de um irascível, generoso, mal-amado e, finalmente, bem-amado.
Quando Maurice Pialat, já passando dos 40, realizou a primeira longa, o sublime A Infância Nua/L’Enfance Nue (1968), um dos dois títulos do ciclo inéditos em Portugal, a Nouvelle Vague levava avanço de dez anos e instalara-se no poder. O ressentimento forjaria então a relação de Pialat com, contra, esse cânone, permanecendo numa constelação em redor, próximo de Jacques Rozier ou Jean Eustache. François Truffaut, o cineasta, era uma das suas bêtes noires (já quanto ao homem, admirou a sua verticalidade perante a morte). Se Truffaut foi instrumental, como produtor executivo, na concretização de A Infância Nua, a rugosidade do filme, o sentimento de abandono como catástrofe, que levou Pialat a identificar-se com as crianças do filme temporariamente recolhidas por famílias de adopção, divorciava-se formal e ontologicamente do romanesco de Os 400 Golpes (1959).
A imagem do realizador sentado num banco dos Campos Elísios, em Paris, a ver a fila de espectadores que se formava no cinema em frente para verem Quando o Amor Acaba/Nous ne Vieillirons pas Ensemble (1972) não é mito urbano. Um milhão de franceses arriscaram indignar- se, magoar-se (gente de outra cepa...) com a crueldade, a humilhação, entre Jean Yanne e Marlène Jobert, o casal que Maurice Pialat, logo no romance que escrevera antes do filme, arrancara à sua vida íntima. Esse jeu de massacre consigo próprio e com a sua história era uma novidade à beira da indecência — estava-se a milhas do espectáculo da intimidade que explodiria, já indecente, décadas depois. Assim como era abrupto o corte com o puritanismo herdado da Nouvelle Vague, contra o(a) qual Pialat dir-se-ia que filmava o plano em que a mão de Jean (Yanne) invade, fora de campo, o sexo de Catherine (Jobert).
O fracasso de A Vida Íntima de um Casal/La Gueule Ouverte (1974), que deu medo de ver porque cada elipse sobre o sexo era seguido de um olhar frontal sobre a morte, sublinhou em Pialat o sentimento de injustiçado. Afinal, O Último Tango em Paris (1972), de Bertolucci, e sobretudo Lágrimas e Suspiros (1973), de Bergman, tinham sido sucessos. Philippe Léotard é o duplo de Pialat; Nathalie Baye outra encarnação de uma das mulheres da sua vida. A mãe dele está em lenta agonia. Philippe comporta-se como o pai se comportou com a mulher, infelicidade que o filho herda e reitera — tal como a infelicidade dos pais foi responsável pelo sentimento de abandono que serviu de propulsor à vida e obra do filho Pialat. O soberbo travelling final que nos abandona à nossa sorte não nos arranja remédio. Mas o filme não termina aí. Depois dele, Pialat mostra por que é que não desiste do humano.
Outro dos títulos, neste ciclo, comercialmente inéditos em Portugal, Primeiro Passa no Exame/Passe ton bac d’abord (1978) é dos mais pardos filmes do universo já de si glauco de Maurice Pialat. O cineasta que olhou de forma sublime a infância e que se sentiu, mal começou, como velho que perdera um comboio que partira sem ele, não tem como esconder a sua distância perante uma geração, a dos jovens, mas também a sua lucidez (ou será cinismo? Se isso existe em Pialat, é mesmo só aqui) perante as suas impotências. A imobilidade, porque pode pouco o grito (C’est la vie!; Non, c’est pas la vie), promete já algo para as suas vidas de adultos. Primeiro Passa no Exame é o título que mais influência teve junto dos que vieram depois e começaram a filmar jovens à Pialat, assumindo-se ou não como descendentes. Pelo menos assim foram vistos Cédric Kahn, Claire Denis, Sandrine Veysset, Catherine Breillat, Patricia Mazuy...
Loulou (1980) é o centro do vulcão biográfico que projectou a sua lava na obra de Pialat. É um exemplo maior da sua praxis. Ele e a companheira Arlette Langman são os argumentistas da história da burguesa Nelly (Isabelle Huppert, na verdade sendo Arlette), do seu encontro com a performance sexual do proletário Loulou (Gérard Depardieu com o seu melancólico narcisismo), por quem ela trocou André (Guy Marchand, na verdade Maurice). Exemplar é a estrutura brutalista como pièce de resistance, colocando o espectador dentro de uma inevitabilidade: algo já começou antes de o filme ter começado, apanhando-se os fragmentos em bruto da emoção. Foi uma rodagem tumultuosa, abandono de Pialat, gritos, estaladas, no afã de abolir a máquina cinema. Há uma geração para quem Aos Nossos Amores/À Nos Amours (1983) foi o código de acesso ao cinema de Maurice Pialat. Há uma geração para quem a “primeira vez” de Sandrine Bonnaire, actriz que o cineasta descobriu nos seus 15 anos, sublime!, sublime! (e um clássico: não era ela que estava interessada no anúncio para o casting; era a irmã), foi também uma desfloração. Para além do maravilhamento perante Bonnaire, o “caso” Pialat manifestava-se ainda, nesta “adaptação” a partir de uma memória pessoal de Arlette Langman, numa sequência que deu brado em que o próprio Pialat, na personagem do pai, procedia a um ajuste de contas à mesa da refeição com os elementos da sua família. Isto é, fundamentalmente: com os actores que as interpretavam. É outro dos filmes em (des)equilíbrio sobre a convulsão emocional, sobre os gritos e as bofetadas. Regressar a ele é um dos mais delicados passos a dar neste ciclo, porque certamente se confirmará que raramente se pode regressar a casa. Isto é, ao lugar onde fomos felizes.
Quase dois milhões de franceses viram Police (1985), o maior sucesso de bilheteira de Pialat. Situado entre Aos Nossos Amores e Van Gogh, corresponde ao período em que o realizador pôde ambicionar o centro: orçamentos folgados, trabalhar com estrelas (Depardieu e Sophie Marceau em Police; Jacques Dutronc em Van Gogh), encontro, enfim, com os espectadores. Com o seu temperamento ciclotímico, arrasou evidentemente o seu filme: a relação com Marceau foi inexistente; o polar, policial à francesa, denunciava o embuste. Severidade excessiva: Police é uma das revelações da retrospectiva. Não há qualquer falsidade no exercício de “filme de género”. Pelo contrário: é a possibilidade de concretização do filme popular, como o dos anos 30, tão amado por Pialat. Os sublimes rostos de Depardieu e Marceau, a sua despudorada inocência no meio da brutalidade, fazem vislumbrar essa utopia.
É o momento mais icónico de Pialat-cineasta, o punho erguido perante os assobios em Cannes à Palma de Ouro a Ao Sol de Satanás/Sous le Soleil de Satan (1987): “Se não gostam de mim, saibam que também não gosto de vocês!” Depois do pico — Pialat queria a Palma, que aconteceu no momento em que se afirmava como central à indústria francesa, mesmo filmando contra ela — veio o desânimo: quando soube que a decisão fora uma segunda escolha, após a chantagem ensaiada por um dos jurados, o cineasta Elem Klimov, perante a perspectiva de triunfo de Olhos Negros, de Nikita Mikhalkov (Klimov ameaçara abandonar o júri). Ao Sol de Satanás passou então a ser, para Pialat, “a mais merdosa” das Palmas. Nem tanto. Mas é o seu filme menos pessoal ou aquele em que ele se mete através de uma admiração literária, George Bernanos, e de uma curiosidade poucas vezes confessada perante o místico.
Quando convencia Jacques Dutronc a ser Van Gogh, isto contou o actor, Pialat sossegou-o: não precisava sequer de tirar os seus icónicos Ray-Ban. Talvez não fosse boutade, porque mesmo a orelha cortada, como uma das retóricas do mito, o espectador tem de, através da abstracção, imaginar. No lugar de Van Gogh está Pialat, necessariamente, que também foi pintor. Não pintor frustrado, segundo o próprio, porque foi ele que percebeu que não tinha condições para continuar (e teria preferido ser pintor médio, se o conseguisse, a ser cineasta magnífico). Van Gogh (1991), ainda assim, é menos uma (auto)biografia do que um documentário descarnado sobre a vida e a luta que ela exige. No final de carreira, Pialat aproximava-se de um dos cumes de toda a sua obra que esteve no momento inicial: a minissérie La Maison des Bois (1971), infelizmente ausente do ciclo.
Com uma peça de câmara, O Garoto/Le Garçu (1995), com o cansaço dos casais e dos jogos dos machos mais as suas solidões, Maurice Pialat terminou. E Depardieu, mais uma vez o seu duplo, encerrou o registo que foi o mais melancólico e comovente da sua “obra”. Coube-lhe estar, nesta última vez como cúmplice, no lugar de pai. É o home movie que ocupa agora o centro, mesmo não havendo “isso”, centro, no cinema do realizador, no espaço da guerra amorosa, das mulheres, ex-mulheres e amantes. Maurice, pai tardio, aos 66 anos, olha para o filho, Antoine, de quatro anos, que crescerá sem ele. De forma justa, então, porque se sobrepõem ao esgotamento, infância e morte, desde sempre os temas dos maiores Pialat, reposicionam-se uma última vez. Mas, exauridos os gestos, caminha-se para o silêncio. Tal como se anunciaram as mortes em todos os seus filmes: ça y est, já está!, Maurice Pialat, 1925-2003.