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Afundado numa grave crise financeira, Earl Stone, um veterano da Guerra da Coreia que hoje vive da agricultura, aceita atravessar estado do Michigan a mando de um perigoso grupo de narcotraficantes, com o equivalente a três milhões de dólares em cocaína. Apesar do risco, o facto de ter 90 anos, aliado a um registo criminal imaculado, torna-o quase insuspeito aos olhos das autoridades. Mas tudo se complica quando ele se vê na mira de Colin Bates, um detective da DEA, a agência norte-americana antinarcóticos. Produzido, realizado e protagonizado por Clint Eastwood, um filme dramático com argumento de Nick Schenk, que tem por base uma história verídica relatada no artigo "The Sinaloa Cartel's 90-Year-Old Drug Mule", da autoria de Sam Dolnick, que foi publicado no "The New York Times". Para além de Eastwood como protagonista, no elenco encontramos Bradley Cooper, Laurence Fishburne, Michael Peña, Dianne Wiest e Andy García.
Clint Eastwood, um homem ainda imperdoável, Luís Miguel Oliveira, Publico de 30 de Janeiro de 2019Um grande come-back de Clint Eastwood, na história de um homem no caminho da redenção.
Clint Eastwood faz muita falta aos seus filmes, é a constatação mais óbvia que se tira deste belíssimo O Correio da Droga, que dez anos depois de Gran Torino o volta a ter como protagonista (e os dois filmes partilham ainda outro ponto de contacto objectivo: o argumentista Nick Schenk). O seu corpo, o seu rosto, a sua persona, a sua “lenda”, a sua gravitas muito particular, tudo isto se foi tornando, ao longo dos anos, um elemento essencial do seu cinema — talvez não da mesma maneira nos filmes dos anos 70 e 80, mas seguramente a partir dos anos 90, porventura com Imperdoável, talvez o momento em que Clint plenamente se apercebeu de que “pôr-se em cena” (e pôr-se em cena, então, sexagenário) transportava uma dimensão significante que não só impregnava os filmes como se tornava parte fulcral da sua “matéria”.
Em todo o caso, uma coisa é evidente: Clint pertence àquela linhagem de cineastas, de Chaplin a Moretti, que faz da sua presença em frente da câmara quase um “tema”. Sem essa presença, pode continuar a ser bom, mas não é bem o “mesmo”. E os filmes de Clint desde Gran Torino não tinham sido bem o “mesmo”, erráticos e desiguais, uns melhores (Sully), outros piores (American Sniper), como se lhe faltasse um centro, como se lhes faltasse a figura de Clint (não por acaso, o filme deste período que parecia mais “eastwoodiano” nem foi realizado por ele mas pelo seu assistente Robert Lorenz: As Voltas da Vida, de 2012, o seu único trabalho de actor durante estes dez anos). Ele aí está, então, a pôr-se em cena do alto dos seus 88 anos, a jogar, até humoristicamente, com os efeitos de reconhecimento desencadeados pela sua presença, mas sobretudo, e mais profundamente, a prolongar o trabalho sobre o recorte típico da personagem “eastwoodiana”. E nesse aspecto, por muito que haja aqui de “revisão” (ou até de “reiteração”), O Correio da Droga não é nada inócuo, conduz esse recorte a um ponto novo, acrescenta realmente alguma coisa.
“És masoquista?”, pergunta-lhe a ex-mulher (maravilhosa Dianne Wiest), numa ocasião em que a sua personagem baseada numa história verídica (um velho horticultor que, depois de ver o seu negócio falir — “por causa da internet” — enriqueceu como “mula” de um cartel de droga mexicano, a transportar droga entre o sul e o norte dos Estados Unidos) assiste a uma reunião familiar onde ninguém deseja a sua presença — a ex-mulher hostiliza-o, a filha não lhe fala, só a neta manifesta afecto por ele. Claro que um dos temas do filme é este, o estranho caminho para a redenção de um homem marginalizado pela própria família, e pelas boas razões de a ter descurado durante décadas, justificando-se com o trabalho quando a verdadeira razão, no fundo, era uma forma de egoísmo e auto-centramento. Essa percepção, “corrigir-se”, é determinante no movimento da sua personagem, e isso implica, levado às extremas consequências, algum sofrimento, talvez mesmo “masoquista”. Não é Imperdoável, o filme onde Clint mais se submetia a maus tratos (da gripe a periódicos espancamentos), mas o momento em que O Correio da Droga assume que a “redenção” tem que passar pelo corpo é assombroso: depois de ser agredido (em elipse: a quantidade de coisas que Clint aqui deixa em “buracos” é enorme), vemo-lo a conduzir o seu automóvel, a testa ensanguentada como se carregasse uma coroa de espinhos invisível, a dirigir-se, se não para o seu Calvário, para o ponto máximo da entrega expiatória, o encontro definitivo com a polícia (e é só quando está por terra, finda a sua aventura, que Clint se auto-filma da forma mais solenemente “iconográfica”: aquele contraluz do diálogo com Bradley Cooper, no carro, é extraordinário).
Há ecos de Imperdoável, mas também de Um Mundo Perfeito (a estrutura narrativa em perseguição à distância, a propensão da personagem para ir “adoptando” os mais jovens, como um membro do cartel), de True Crime (a relação desleixada com a família), de Absolute Power (a personagem que vela, na sombra e em segredo, pelos seus próximos), de Million Dollar Baby (todas as cenas entre Clint e Wiest são magnificamente divertidas, no estilo “guerra dos sexos”, mas a derradeira é quase tão comovente como o célebre “mo cuishle”). E há, sobretudo, uma maneira de balancear isto tudo, este percurso entre tons da ligeireza à gravidade, da pura comédia ao puro drama, inclusivamente na definição das personagens, que parece bastante fora de tempo, e também é uma questão de mise en scène no sentido mais lato (neste aspecto, por uma vez, sim: há uma sombra do “classicismo” a percorrer o filme). Mas o filme também é “deste tempo”, e se Clint se diverte, nalgumas cenas (como que oferecidas de barato, e com um sorriso sardónico, aos caçadores de “incorrecções”), com o linguajar pouco apropriado da sua personagem, não perde de vista o pano de fundo: objectivamente, O Correio da Droga contém, sem qualquer espécie de sublinhado ou retórica, uma crítica dos preconceitos e esteréotipos raciais na sociedade americana (porque é que a sua personagem escapa tanto tempo aos radares da polícia? Porque obviamente os policias não esperam um “homem branco velho” a fazer aquele trabalho — e isto para não falar da mais estranha cena, a do homem em pânico por ter sido mandado parar pela policia, que não tem outra razão de ser que não assinalar a brutalidade policial americana; Clint pode ser um homem branco velho, e um pouco reaça, mas não é estúpido nem cego).
A sequência final — com o I did it que arruma a questão no tribunal, a pôr a escolha entre certo e errado à frente das circunstâncias, a declarar-se “imperdoável” — é outro prodígio, de secura, primeiro, e depois duma sereníssima paz, nos últimos planos (no último, sobretudo, aquele onde começa a cair o genérico), o horticultor a cuidar suas flores, de certa forma, e paradoxalmente, o primeiro momento do filme em que a sua personagem é realmente “livre”. Um grande come-back, um filme belíssimo, aproveitemos, que disto se vê cada vez menos.