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PROGRAMAÇÃO: OUTUBRO 2013
Sala de exibições
Pequeno auditório
Casa das Artes de V. N. de Famalicão
Parque de Sinçães - V. N. de Famalicão
POST TENEBRAS LUX de Carlos Reygadas
Sinopse
Juan (Adolfo Jiménez Castro) deixa a cidade onde sempre viveu e segue viagem com a
sua jovem família para uma zona rural, onde pretende iniciar uma nova vida. Ali tudo é diferente e
até os mais pequenos detalhes da dinâmica familiar se alteram. Cada um deles, à sua maneira,
terá de fazer o seu caminho particular, enquadrando-se neste lugar que se vai transformando em
lar.
Depois de “Luz Silenciosa”, o realizador Carlos Reygadas regressa com este “Post Tenebras Lux”, um filme poético e autobiográfico sobre a sua própria vivência campestre em Morelos, no México. O filme, em competição na edição de 2012 do Festival de Cannes, valeu a Reygadas o prémio de melhor realizador.
Ficha Técnica
Título original: Post Tenebras Lux (México/Holanda/Alemanha/França, 2012, 115 min)
Realização e Argumento: Carlos Reygadas
Interpretação: Rut e Eleazar Reygadas, Adolfo Jiménez, Nathalia Acevedo, Willebaldo Torres
Fotografia: Alexis Zabé
Som: Gilles Laurent, Sergio Diaz, Jaime Baksht, Raúl Locatelli
Montagem: Natalia López
Produção: Carlos Reygadas, Jaime Romandía
Distribuição: Midas Filmes
Estreia: 5 de Julho de 2013
Classificação: M/16 anos
Críticas
Encontros imediatos com Carlos Reygadas
Vasco Câmara, em Cannes (25.Mai.2012)
Os seus filmes, diz, são "realistas": "são filmes sobre sonhos, memórias, fantasias, projecções do futuro que nunca acontecem". Carlos Reygadas, cineasta dessa sua realidade, apresentou em concurso "Post Tenebras Lux". Que começa com crianças - os filhos de Reygadas - a certificarem a existência do mundo que está a ser criado: "Árvores! Burros! Cães!". Podia ser os "Encontros Imediatos do Terceiro Grau", onde um miúdo se extasiava com os "Toys! Toys!" do espaço. É isso, encontros imediatos do terceiro grau com o inconsciente de Reygadas, com fantasmas de "home movie", pesadelo mexicano e até um diabo extraterrestre.
Há dois mundos em contacto em "Post Tenebras Lux", o da cidade, de onde uma família saiu, e o do campo, onde se instalou. Em contacto e em choque, uma espécie de devir de aniquilação que ensopa a sociedade mexicana. Reygadas diz que o filme lhe saiu "directamente do inconsciente", das profundezas da infância e das imagens de pesadelos que a sociedade do seu país inculcou. Isso obriga a procurar uma relação diferente com o filme, descodificação difícil e talvez por isso "Post Tenebras Lux" não gerou a reacção visceral que envolveu "Luz Silenciosa" (2007). Mas não deve haver cineasta hoje a filmar a natureza assim. As crianças "estão", diz ele. "Tal como a água e como as árvores". Como uma catedral, a natureza está.
Para acordar os sentidos
Vasco Câmara, Ipsilon de 5 de Julho de 2013
Um fluxo de sonho encaminhado para o espectador.
No princípio é o princípio do medo, uma abertura tão incandescente como a de Luz Silenciosa, o filme anterior de Carlos Reygadas em que uma manhã acordava. Porque logo mostra o afastamento irreversível da natureza. Uma criança (filha do realizador, que também é dono dos cães, dos burros e das vacas que atravessam os planos) começa a aprender os nomes e a iniciar- se ao mundo: “vacas!”, “burros!” - como o “toys! toys!” nos Encontros Imediatos do Terceiro Grau, de Spielberg. Só que não há ascensão extraterrestre. E a noite cai. “Mamã”, “Papá”, fala já o medo...
Não é certo o que se passa a seguir em Post Tenebras Lux. Não faz sentido fixar a narrativa, seria tentativa e erro. Mas é justo o sentimento de que tudo o que se segue fala da noite a cair, do afastamento da comunhão que ensopou as sequências iniciais: Post Tenebras Lux é o futuro dessa menina que no princípio (como diz Reygadas em entrevista neste suplemento) pode ser ainda um charco. Mas o filme é já o presente de Juan e de Sete, um ex-patrão e o seu ex- empregado, agora amigos, que vão cumprir uma sangria mexicana: o paternalismo impotente do primeiro, burguês mal sossegado pela new age, a autodestruição do segundo, camponês despojado dos elos com a sua história. Sem reconciliação, sem mistura, cumprindo um desígnio de predação e autofagia.
Os filmes de Reygadas, Japón, Batalha no Céu, Luz Silenciosa, são feitos a partir desta impossibilidade, social, cultural, de comunhão. São filmes de batalhas. O cineasta fala de ausência de um desígnio comum entre mexicanos como legado que a História lhes deixou. Era isso que mostrava já no seu episódio, Este es mi Reino, do filme-mosaico (sobre o falhanço da) Revolucion. Japón, Batalha no Céu colocaram-no sob “suspeita” de exibicionismo choc e de rapina. Depois do silêncio do hermeticamente selado Stellet Licht, a sua obra mais pessoal, arrisca agora uma espantosa libertação da narrativa. Determinante parece ter sido Este es mi Reino, cujos procedimentos se prolongam: não prescindindo da antropologia, da sociologia, da História, da psicanálise - crueldade do mecanismo social, fantasias da sexualidade conjugal, guerras de poder (as misteriosas sequências do râguebi) -, Reygadas parece desviar cenas que pertencem a um fluxo de sonho e pesadelo que se perpetua. E encaminha-as para o espectador. Que as pode receber como manifestação de caos - é possível recusar, e este deve ter sido o seu filme que mais deixa sem palavras rituais de vassalagem. Mas é daqueles filmes que arriscam outra(s) forma(s) de participação, trabalhando os sentidos, a empatia. Râguebi: um dos mistérios (e para alguns fonte de enervamento) do filme - que história essas cenas querem contar? -, a sua inclusão é explicitada por Reygadas (ver entrevista neste suplemento) como exemplo de uma ofensiva das sociedades patriarcais, de jogos de conquista. Não é essa explicação que torna a inclusão justa - porque apenas se conforma a um formato reconhecido. Mas essa explicação apenas acorda o que nós, espectadores, deixámos adormecer por falta de uso. E que hoje coxeia à frente de um ecrã, apoiando-se na “narrativa”. Filmes assim são um exercício para desenvolver a musculatura dos sentidos. Em vez de, como quase todos os outros, os gastar.








